O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não incluiu na proposta de Orçamento de 2025 os recursos necessários para viabilizar a realização do Censo Agropecuário e da Contagem da População no ano que vem.
O primeiro levantamento já está em preparação e vai coletar informações sobre todos os estabelecimentos agropecuários no país, detalhando as atividades desenvolvidas e as características dos produtores.
O segundo, por sua vez, é uma pesquisa censitária que deveria atualizar os números da população captados no último Censo Demográfico, realizado em 2022 e que foi alvo de controvérsias após uma série de atrasos.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), presidido por Marcio Pochmann, pediu ao governo R$ 649,6 milhões para a realização do Censo Agropecuário, mas só R$ 27 mil foram incluídos na proposta orçamentária.
A reportagem procurou o órgão, via assessoria de imprensa, em três ocasiões desde 17 de setembro, mas não obteve resposta em nenhuma delas.
O IBGE só prestou as informações após solicitação via LAI (Lei de Acesso à Informação), que dá um prazo de até 30 dias para a resposta e cujo descumprimento pode gerar punições.
Em 24 de outubro, o órgão respondeu que os R$ 649,6 milhões que faltam para a realização do Censo Agropecuário "foram registrados como solicitação de expansão (restrição) e aguardam avaliação por parte do Ministério do Planejamento e Orçamento".
Segundo técnicos do governo, a aposta do Executivo é tentar obter os recursos por meio de emendas parlamentares. A bancada do agro teria interesse direto na realização do levantamento devido ao valor dos dados para o setor.
A preparação da Contagem da População, por sua vez, é mais complexa. Além da falta de dinheiro, o IBGE não tem neste momento capacidade operacional para abrir mais essa frente. A equipe que atuaria na preparação da pesquisa é a mesma que ainda está processando os dados coletados no Censo Demográfico de 2022.
"Em relação à Contagem da População, o planejamento da operação encontra-se em processo de validação, inviabilizando sua inclusão no PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] 25", disse o IBGE na resposta via LAI. O órgão não detalhou o que seria este "processo de validação".
A contagem é normalmente feita no meio da década (anos terminados em 5), mas já houve atrasos e cancelamentos. O levantamento programado para 2015, por exemplo, sofreu sucessivos adiamentos por falta de verba e acabou não acontecendo devido à proximidade com o Censo Demográfico.
Desta vez, porém, entidades como a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) têm sido vocais sobre a necessidade de viabilizar a contagem após os problemas do Censo de 2022. "É imprescindível realizar contagem populacional em 2025 para dirimir as crescentes dúvidas sobre a qualidade dos dados populacionais", disse a entidade no início de setembro, após a divulgação de novas estimativas de população questionadas pelas prefeituras.
O Censo deveria ter ido a campo em 2020, mas sofreu cortes orçamentários e foi adiado devido à pandemia de Covid-19. Durante a execução, a coleta sofreu atrasos adicionais, decorrentes de dificuldades operacionais, e levou mais de seis meses para ser concluída.
O processo levantou questionamentos sobre a confiabilidade dos dados e levou prefeituras à Justiça contra o uso das informações para a repartição dos recursos do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), já que muitas delas perderiam uma fatia no bolo dos repasses.
A contagem é uma pesquisa censitária, ou seja, visita todos os domicílios (com um questionário mais enxuto que o do Censo). Sua realização permite calibrar melhor as estimativas populacionais, além de corrigir eventuais erros que tenham predominado após ajustes feitos pelo órgão para garantir a qualidade das estatísticas.
Sem qualquer dinheiro no Orçamento, porém, sua realização permanece incerta. A sobrecarga da equipe também é levada em consideração. Além disso, pelo cronograma tradicional, um novo Censo deverá ser realizado em 2030.
O ex-presidente do IBGE Roberto Olinto, hoje pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), critica a atual direção do órgão pela falta de planejamento na condução das pesquisas. "A maior questão atual é que tudo está sendo feito na base do improviso, do afogadilho, e isso não dá certo", diz.
Segundo ele, há tempos que o plano geral de informações estatísticas e geográficas, instituído por uma lei de 1973, não é discutido. Isso seria crucial para definir prioridades e buscar recursos com antecedência.
"Me soa muito estranho achar que tudo vai ser resolvido por emenda parlamentar. Isso vira uma bagunça. A emenda parlamentar foi usada no último Censo Agro. Eu mesmo lidei com emenda para ajudar no Censo Demográfico. Mas as pesquisas são feitas com planejamento e colocação antecipada [de recursos] no Orçamento. A coisa não é feita em cima da hora. E uma pesquisa envolve não só um ano de execução, mas dois, três, quatro anos de preparação", diz.
Olinto, que presidiu o IBGE entre junho de 2017 e dezembro de 2018 e antes foi diretor de pesquisas do órgão, afirma ainda que no passado as emendas financiaram apenas parte das pesquisas, situação distinta da atual. "É um erro estratégico enorme. A emenda parlamentar é o último recurso, não o primeiro."
O pesquisador também diz que, sem dinheiro nem braço para realizar a contagem em 2025, a data-limite seria 2027. "Aí, se não for possível em 2027, você parte para investir fortemente num bom Censo em 2030. Infelizmente", afirma.
Procurado via assessoria de imprensa, o Ministério do Planejamento disse que não iria comentar o assunto. Após questionamento com base na LAI, a pasta informou que recebeu do IBGE um pleito de R$ 985 milhões para despesas discricionárias em 2025, que incluem o custeio das pesquisas e os investimentos necessários para viabilizá-las. Desse valor, foram concedidos inicialmente R$ 229,4 milhões —ou seja, 23,3% do montante solicitado.
Após deliberação interna, o governo ampliou os recursos do IBGE em R$ 33 milhões. Ainda assim, o órgão conta com apenas R$ 262,4 milhões para o ano que vem, 26,6% do que foi pedido.
Além da falta de recursos, o IBGE passa por uma crise interna que ficou explícita no fim de setembro, após servidores reclamarem de falta de diálogo com a gestão de Pochmann.
Um dos pontos que irritaram os funcionários foi a criação de uma fundação pública de direito privado, a IBGE+. Há quem considere a nova organização uma espécie de "IBGE paralelo".
A Assibge, entidade sindical que representa os trabalhadores, chegou a chamar as medidas recentes de Pochmann de "autoritárias". A gestão do economista rebateu e disse que as acusações são "infundadas".