A Associação Quilombola Kalunga (AQK) denuncia a tortura e prisão de dois quilombolas Kalunga pela Polícia Militar de Goiás (PMGO), sob a acusação de invasão da Fazenda Panorama em Cavalcante, nordeste de Goiás. O advogado dos Kalunga, afirma que seus clientes permaneceram sob custódia policial por quase doze horas, sem direito a defesa.
"Não foi preciso estabelecer fiança, porque eles não cometeram crime eles não foram submetidos a audiência de Custódia. Isso ficou constatado pelo pelo delegado de Campos Belos, então o resumo é que foi um procedimento muito arbitrário com tortura praticada contra esses dois Kalungas" informou o advogado.
As vítimas de 25 e 39 anos, não tinham passagem pela polícia, relatam que foram colocados com a barriga para cima e que os policiais teriam jogado água sobre o rosto para causar 'sensação de afogamento', como explicou o advogado ao falar dos seus clientes, "Duas pessoas que nunca tiveram passagem pela polícia. Duas pessoas que nunca entraram numa delegacia, sob acusação nenhuma. Pais de família, pessoas da comunidade, reconhecidas pela comunidade e que tiveram um tratamento da Polícia Militar desumano, desleal e sem direito de defesa."
A fazenda em questão está localizada dentro do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Quilombola Kalunga e faz parte das áreas incluídas em uma ação de reintegração de posse movida pelo Ministério Público Federal contra 50 invasores, incluindo dois garimpos ilegais, que estão dentro do território tradicional quilombola Kalunga.
A prisão ocorreu na quinta-feira, 11. Segundo o advogado, os quilombolas foram à fazenda alimentar os animais que estão no local, mas foram abordados pelos policiais cerca de 8 km distante da fazenda, quando retornavam para suas casas. "Eles foram levar comida para os animais que lá estavam, cachorros e galinhas. No entanto, quando já tinham saído da fazenda, a 8 km, foram abordados por uma equipe da polícia que os algemou imediatamente, sem informar a acusação."
Os rapazes haviam ido ao local onde atualmente mora a irmã de um deles, desde que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desapropriou a fazenda por meio de uma decisão liminar e cedeu o direito de posse à AQK, até que a titulação definitiva seja finalizada. Esse processo só deverá ser concluído após a finalização da ação movida pelo MPF.
Devido à gestação avançada, e à proibição do parto residencial (feito com o auxílio de parteiras) na região pelos órgãos de saúde. Por esse motivo a mulher teve que se ausentar das terras com o marido. A região é acidentada por cânions e vãos, dificultando o acesso de carros. Assim, ela pediu ao irmão que alimentasse os animais domésticos.
No boletim de ocorrência, consta que um homem, que dizia ser o dono da Fazenda Panorama, chamou a polícia para denunciar uma invasão de domicílio, que dois quilombolas haviam causado danos a propriedade e efetuado furtos de equipamentos na fazenda, no entanto, o homem omitiu que a propriedade já teria sido desapropriada pelo Incra, e a mesma já estaria sob a posse de uso dos quilombolas Kalungas.
Os jovens então foram levados pelos policiais segundo informou o advogado, que salienta, "Eles ficaram na delegacia de Cavalcante, no entanto, e essa informação é muito importante que seja colocada, a delegacia de Cavalcante estava fechada, não tinha ninguém da Polícia Civil. Estava somente a polícia militar e eles. Ficaram das 15h da tarde, horário que foram detidos, até a meia-noite, mesmo dia. Eles foram impedidos de falar com advogado."
De acordo com uma postagem feita pela Associação Quilombola Kalunga (AQK), em suas redes sociais, os jovens estavam à 8 quilômetros de distância da Fazenda, quando foram abordados. Após serem algemados foram torturados para confessarem os crimes do qual eram acusados e para que confirmassem serem os donos de uma espingarda localizada no interior da propriedade. Por não concordarem foram torturados.
“A força policial foi intencionalmente enganada e acabou por torturar quem deveria defender.” E completa, "Deste modo, as providências judiciais e administrativas cabíveis já estão sendo tomadas para responsabilizar as condutas criminosas que acarretaram nesta trágica sucessão de erros, cometimento de crimes e violação de indispensáveis direitos humanos”
O advogado confirma que somente em Campos Belos, quando os Kalunga foram levados para a Delegacia da Polícia Civil (PCGO), é que eles tiveram atendimento. "O delegado entendeu que, por não ter sido encontrado nenhum objeto proveniente de furto, as vítimas deveriam ser liberadas."
Entenda o que acontece no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Quilombola Kalunga
Atualmente foram identificados e mapeados pelo Ministério Público Federal, 50 pontos de invasão e dois pontos de garimpo ilegal. O território quilombola fica dentro do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Quilombo Kalunga (SHPCQK). Grande parte dessas invasões estão em áreas já desapropriadas, com indenizações pagas pelo Incra aos antigos proprietários para reintegração de posse aos quilombolas, inclusive com titulação e direito real de uso já concedidos aos Kalunga como propriedade coletiva.
Localizado ao norte da Chapada dos Veadeiros em Goiás, o território quilombola Kalunga se estende pelas cidades de Monte Alegre, Teresina de Goiás e Cavalcante. Com uma área de 262 mil hectares, considerado o maior quilombo do país.
Há quase quatro anos, o MPF move uma ação para retirada dos invasores do local para que a titulação definitiva do território seja realizada junto ao Incra e Fundação Cultural Palmares, no entnato enfrentam a resistência dos esbulhadores que se recusam a sair das terras.
Em 11 de junho de 2023 uma operação de reintegração de posse chegou a ser preparada, mas foi suspensa em último momento pelo juiz federal da 1ª Vara de Subseção Judiciária de Formosa – GO, Eduardo Pereira da Silva.
Nos 262 mil hectares que fazem parte do território quilombola Kalunga, vivem mais de oito mil quilombolas, distribuídos por 56 comunidades em quatro agrupamentos – Vão do Moleque, Vão de Almas, Vão da Contenda e Ribeirão dos Bois.
A reportagem entrou em contato com a assessoria da Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) em busca de um posicionamento sobre o caso, mas, até a publicação da matéria não tivemos retorno. O espaço fica aberto para que a corporação possa se pronunciar o sobre o ocorrido.