
O governo de Donald Trump e a Justiça dos Estados Unidos se envolveram em um dos confrontos mais intensos desde o retorno do republicano à Casa Branca. O foco da disputa foi a imigração, uma das principais bandeiras da administração, que tem feito esforços para realizar deportações em massa. No mês passado, um erro do governo resultou no envio indevido de um homem para El Salvador.
Kilmar Armando Abrego Garcia, cidadão salvadorenho com residência legal nos Estados Unidos, foi deportado para seu país de origem, apesar de estar sob risco de sofrer tortura. O caso foi levado aos tribunais, e a Suprema Corte dos Estados Unidos ordenou sua reintegração ao território americano. A decisão é considerada um dos maiores revés jurídicos enfrentados pelo atual governo.
No entanto, uma solução definitiva ainda parece distante. O governo Trump voltou a desafiar a decisão judicial e não informou como pretende proceder para reintegrar Garcia. Durante audiência, advogados do Departamento de Justiça disseram à juíza federal Paula Xinis que não possuíam novas informações sobre o salvadorenho.
Visivelmente irritada com a falta de respostas, Xinis destacou que o processo de deportação foi "ilegal desde o início" e expressou preocupação com a situação. "Isso significa que eles [governo] não fizeram nada. Apesar da clara diretriz, não fizeram nada para facilitar o retorno do senhor Garcia", afirmou a juíza.
O governo Trump acumula tensões com juízes em diversas frentes, mas a audiência sobre o caso de Garcia foi considerada uma das mais acaloradas, segundo observadores. Antes mesmo do início da sessão, o clima já estava tenso. Em um documento de duas páginas, os advogados argumentaram que Xinis não havia dado tempo suficiente para definir um plano sobre o imigrante. O tom do texto foi considerado agressivo.
"As relações exteriores não podem operar com base em cronogramas judiciais, em parte porque envolvem considerações sensíveis e específicas de cada país, totalmente inadequadas para revisões judiciais", afirmaram os advogados. O documento também ressaltava que seria "irracional e impraticável" estabelecer quais seriam os próximos passos antes que as ações fossem adequadamente acordadas e analisadas.
A defesa de Garcia acusa o governo de atrasar o processo, apesar das ordens judiciais, enquanto a "vida e a segurança de um homem estão em risco". Advogados também apontam irregularidades no caso. Juízes da segunda instância chegaram a classificar a deportação como um ato de sequestro por parte dos Estados Unidos.
Garcia estava legalmente nos Estados Unidos e foi enviado a El Salvador no dia 15 de março, junto a outros imigrantes salvadorenhos e venezuelanos. A deportação ocorreu mesmo após a Justiça ter suspendido, no dia anterior, o uso de uma lei do século 18 para determinar expulsões em massa.
Na mesma ocasião, as deportações foram vistas como um desafio direto do governo Trump ao Judiciário. A Casa Branca alegou que os aviões já haviam partido e estavam fora do país quando a ordem judicial para interromper as expulsões foi emitida. O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, aliado de Trump, ironizou a ordem judicial. "Ops... tarde demais", escreveu ele após a chegada dos migrantes, que foram algemados e enviados para um presídio de segurança máxima, onde foram tratados como criminosos perigosos.
A defesa da Casa Branca argumenta que Garcia é integrante da facção criminosa MS-13. Embora tenha reconhecido que o envio ao El Salvador foi um erro, o governo insiste que o Judiciário não tem competência para interferir no caso e "trazer um membro de uma organização terrorista estrangeira de volta ao território americano".
A juíza Xinis, no entanto, afirmou que a acusação de que Garcia integra uma facção "não tem qualquer base, consistindo apenas nos fatos de que [o imigrante] usava um casaco com capuz e que um informante disse que ele pertencia ao MS-13 de Nova York, uma cidade onde nunca morou". Os advogados de Garcia, contratados pela sua família, ressaltam que o salvadorenho viveu por anos nos Estados Unidos sem jamais ter sido acusado de crimes.
Enquanto o caso segue sem solução, a esposa de Garcia, Jennifer Sura, declarou que a família vive um "pesadelo". "Espero que Kilmar esteja aqui nos meus braços e na nossa casa, colocando nossos filhos para dormir. Continuarei lutando até que meu marido volte para casa", afirmou ela.
A cruzada de Trump contra os migrantes continua. A imprensa americana informou que, desde o início do governo republicano, mais de 6.000 migrantes em situação legal foram incluídos em uma base de dados da Previdência Social como pessoas mortas. Segundo o jornal The New York Times, o objetivo dessa medida seria cortar benefícios e impedir o uso de serviços financeiros básicos, como contas bancárias e cartões de crédito.
Trump também obteve uma vitória judicial nesta sexta-feira, quando uma juíza barrou uma tentativa de proibir operações de fiscalização a migrantes em locais de culto.