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Xico Sá se revela cronicamente lírico em 'Cão Mijando no Caos'

Jornalista e escritor, Xico reúne mais de 60 textos, todos enxutos, em nova publicação, já disponível nas melhores casas do ramo

Xico Sá, jornalista e escritor - Foto: Ader Gotardo/Divulgação Xico Sá, jornalista e escritor - Foto: Ader Gotardo/Divulgação

Cão mijando no caos. Xico Sá, 61, guardou essa imagem poética nas gavetas da memória desde os anos 1980. Tinha lá suas razões: conhecera o verso drummondiano do poema “Oficina Irritada” numa apostila na qual estudava para concurso do Banco do Brasil.

Vibra diferente, pensa Xico. “Queria, desde então, usá-lo num título de romance, numa crônica”, revelou o escritor, cuja frase lhe ressoara pelo cocuruto ao longo de quatro décadas.

O jovem cearense, esperado, fracassou no exame. Caso obtivesse êxito, veja você, iria trabalhar em uma agência do BB em Exu, interior pernambucano, como sonhava dona Maria do Socorro. Tornou-se um cosmopolita-sertanejo suando o verbo nas redações das capitais.

Sim, o jornalismo ganhou um repórter que andara na cola de Silvio Santos, durante aquela aventura presidencial, em 1989. Recém-chegado do Recife em Brasília, inocente, puro e besta, foi designado a acompanhar o comunicador e, pense, cantarolou letra de Raulzito.

“Não é que eu vi o Sílvio Santos/ Não é que eu vi o Sílvio Santos/ Sorrindo aquele riso franco e puro/ Para um filme de terror”, sussurrou, em vez da praxe indagatória, conforme relato cronicamente publicado no “ICL Notícias”. Já jornalista investigativo da “Folha”, nos anos 1990, descobriu o paradeiro de PC Farias, cuja morte, ainda hoje, é ladeada por mistérios.

Na Ocupação Fabular, evento ocorrido no Martim Cererê, Xico falou sobre o endurecimento da crônica. “Acho que o cronista que ficava como Rubem Braga ouvindo os passarinhos se viu obrigado a descer pra guerra. Teve de meter a mão na merda política”, diagnosticou o escritor, que levou dois dedos de prosa com a reportagem durante sessão de autógrafos.

Acho que o cronista que ficava como Rubem Braga ouvindo os passarinhos se viu obrigado a descer pra guerra. Teve de meter a mão na merda política" Xico Sá, escritor

Com extensa ficha de serviços prestados ao etilismo brasileiro, o cronista documenta medo & delírio brasileiros pela perspectiva do botequim. Xico, sempre lírico, reuniu 69 textos, enxutos, em que descreve personagens urbanos, caso do camelô que vendia camisetas do camarada hermano Che Guevara e, de repente, passa a ofertar bandeiras verde-amarelas.

Talvez a crônica mais bonita seja mesmo uma na qual conta da emoção buarquiana de se assistir ao xará Chico, aquele dos famosos olhos verdes, chegando para manifestação anti-impeachment no Largo da Carioca, Rio de Janeiro, em 2016. “Por mais que careca, ainda sobram pelos para arrepios e assombros”, escreve Xico, emocionado, em belíssimo texto.

A gênese da crônica remonta ao século 19, com José de Alencar “flanando sem direção em benefício de seu leitor”, conforme o professor de literatura da UERJ João Cezar de Castro Rocha. Machado de Assis, assegura João Cezar, transformou fatos do cotidiano em prosa sedutora. Mas é na segunda metade do século 20 que o estilo adquire a cara que tem hoje.


		Xico Sá se revela cronicamente lírico em 'Cão Mijando no Caos'
Xico diz que viveu por toda a vida um drama. Foto: Divulgação


Sabiá da crônica, Paulo Mendes Campos adocicava a vida com lirismo açucarado. Fernando Sabino, por sua vez, despertava no leitor gargalhadas, enquanto Rubem Braga achava poesia no canto dos passarinhos. Mais tarde, juntou-se a esse time de machões a escritora Clarice Lispector. Ao contrário de Estevão, personagem de Álvaro de Campos, ela tinha metafísica.

Sobre a trajetória na arte da palavra, Xico Sá disse que vivera por toda a vida um drama laboral: queria ser jornalista, queria ser escritor. Quando decidiu-se pelo verbo na lauda lítero-jornalística, só tinha um exemplo de escritor que ganhava a vida na literatura. Era Jorge Amado, óbvio. Só depois apareceriam Veríssimo (filho) e Rubem Fonseca.

“Todo mundo contava da dificuldade que era viver de literatura. Não é que eu não gostasse de jornalismo, mas minha cabeça de matuto era ser escritor”, lembrou, bem-humorado. Xico se popularizou nas ruas Brasil afora pela participação no programa “Amor e Sexo”, exibido na Globo entre 2009 e 2018. “Sorte que me avisaram: esse negócio que você quer não existe. O caminho no Brasil, para um escritor, é funcionalismo público. Ou jornalismo.”

Sempre fui muito atirado nessa ideia, nessa possibilidade. Talvez seja a única brincadeira que você leva pra outro plano, seja lá pra onde for” Xico Sá, escritor

Dilema proletário

Com os dilemas proletários resolvidos, Xico afirmou que tem amor tanto pelo jornalismo quanto pela literatura. Mas a urgência jornalística, reconheceu, sempre lhe roubou a chance de ser um escritor melhor. “Escrevia a parte literária após o expediente, à noite, depois que chegava da redação. Escrevia em paralelo, mas publicava por tesão”, confessou o cronista.

O escritor atestou ainda que vivera — e escrevera — com “certa irresponsabilidade”. “Sempre fui muito atirado nessa ideia, nessa possibilidade. Talvez seja a única brincadeira que você leva pra outro plano, seja lá pra onde for”, filosofou o cratense, cujos relacionamentos sempre foram na cota do mais alto risco. “Acho que amor é pra gastar.”

Machão que aprendeu a dançar (alusão ao livro “Os Machões Dançaram”), Xico se iniciou no amor aos 15 anos. Sua grande temática, desde então, é esse assunto. “Foi quando fiz meus primeiros textos com uma ideia minimamente profissional. Ou seja, me pagavam. Foi em uma emissora de rádio em Juazeiro do Norte, a chamada ‘Rádio Cariri’”, recordou-se.


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Capa da obra.


Vira e mexe, questiona-se: o que poderia saber do amor tão novo? “Não tinha dado um beijo que preste. Foi aquela iniciação sexual clássica, conservadora, com o tio que te leva pra zona. Minha ideia de amor era do Vinícius de Moraes. Era a ideia literária, estudando as escolas literárias.”

Xico escrevia cartas para mulheres que estavam sem seus maridos. “Eram muito dolorosas. Os maridos partiam por causa da estiagem. Iam pra São Paulo”, explicou, dizendo que futebol também traz uma grande passionalidade. “Assim como política. Mas não sentia muito prazer. Talvez seja a primeira vez que faço a crônica política em livro.”

CÃO MIJANDO NO CAOS

Xico Sá, autor

R$ 59,90 (impresso)

R$ 39,90 (e-book)

Editora Galáctico

220 páginas

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