Em Goiânia a exposição "As Matriarcas", da artista visual Raquel Rocha com curadoria de Divino Sobral, é um dos grandes eventos do Orum Aiyê. A mostra celebra a força e a resistência das mães de santo pretas, através de uma pesquisa pictórica e histórica. As pinturas, feitas em cestas de palha ornadas com 16 búzios, representam o jogo do merindilogun, uma forma de consulta oracular.
E nesta quinta-feira dia 4, as 19h, o evento traz a performance "Abô", idealizada por Raquel Rocha, integra a programação da exposição "As Matriarcas" no Orum Aiyê. Inspirada na série "Orixás entre traços e versos", a performance imerge o público em um universo ritualístico de reconexão com a ancestralidade afro-brasileira.
O Diário da Manhã esteve no espaço e conversou com Raquel, artista experiente no Candomblé, utiliza a performance "Abô" para explorar o significado e a experiência de um banho de ervas. Durante a apresentação, ela conduz o público por um ritual de limpeza e cura espiritual, baseado nas tradições do Candomblé.
A performance serve de inspiração para a artista desafiar o racismo religioso que, muitas vezes, desestimula o uso de plantas medicinais sagradas para a cura do corpo e a limpeza espiritual. A artista visual explica que esses elementos naturais, muitas vezes encontrados em jardins e calçadas, carregam um profundo significado cultural e ancestral.
Ao longo da performance, Raquel macera as ervas com cuidado, entoando cantigas em iorubá para "encantar" as folhas, conforme a tradição. Após a maceração, a artista prepara o banho. Para participar do banho de ervas a Raquel convidou Matheus Alcantara, aluno do Quilombo Cultural Orum Aiyê. As folhas são selecionadas com base no conhecimento de Raquel e na finalidade do ritual.
Ao final da performance, o público tem a oportunidade de levar para casa um pouco do banho de ervas preparado por Raquel. Esse ato simbólico representa a possibilidade de cada pessoa levar consigo um pedaço da ancestralidade e da cultura afro-brasileira para o seu próprio lar.
Um Sonho Compartilhado: A Origem do Orum Aiyê
O Orum Aiyê nasce do sonho de Raquel e Marcelo Marques, artistas com trajetórias distintas, mas unidos pela paixão pela arte e pela cultura afro-brasileira. Raquel, nascida e criada em Goiânia, é uma artista visual profundamente conectada ao Candomblé, enquanto Marcelo transita pelo universo do circo, da educação e do teatro. Juntos, idealizam um espaço que traduza a riqueza da cultura afro-brasileira, promovendo a reflexão, a ancestralidade e a resistência.
O nome "Orum Aiyê" carrega em si a sabedoria e a ancestralidade africana. "Orum", em iorubá, significa céu, enquanto "Aiyê" significa terra. Essa junção representa a profunda conexão entre os planos físico e espiritual, alicerçada na filosofia iorubá que permeia todo o projeto do quilombo cultural.
O espaço Orum não se limita a um espaço físico. É um projeto em constante construção, moldado pelas mãos e pela criatividade dos idealizadores, com a colaboração de diversos artistas e membros da comunidade. O local, antes um espaço comprado para ser a residência do casal, foi transformado em um lar acolhedor, onde a arte e a cultura afro-brasileira encontram um palco para florescer.
A Arte como Ferramenta de Resistência
No espaço, a arte se torna uma ferramenta poderosa de resistência e expressão. Através de performances, exposições, oficinas e eventos, o quilombo cultural promove a visibilidade da cultura afro-brasileira, combatendo o racismo e a intolerância religiosa. A programação é diversa e abrangente, contemplando desde apresentações musicais, dança africana, teatro, performance circense e artes visuais.
Um dos grandes destaques do Orum Aiyê é o espetáculo solo "Conto de Cativeiro", idealizado por Marcelo. A peça narra a história da diáspora africana forçada, contada por um preto velho. Através de um olhar sensível e poético, a obra celebra a resistência do povo negro.
"Onde os Tambores Tocam": Um Símbolo de Resistência e Acolhimento
A expressão "onde os tambores tocam" se tornou um símbolo do Orum Aiyê. Mais do que um local físico, o quilombo cultural representa um espaço de acolhimento, resistência e celebração da cultura afro-brasileira. A frase que consta nas pesquisas de Raquel, lida numa matéria de jornal dos anos 30 do século XX de forma a engrandecer a truculência da polícia a repressão de um terreiro, tornou-se frase símbolo do Quilombo Cultural pela resistência e o direito de existir combatendo a intolerância religiosa e o preconceito.
Apesar da força e da representatividade do Orum Aiyê, o quilombo cultural enfrenta diversos desafios. A intolerância religiosa e o racismo estrutural ainda são realidades presentes na sociedade brasileira, e o projeto não está imune a esses ataques. Raquel relata casos de intolerância, como críticas online, incidentes com a polícia e até mesmo a tentativa de atrapalhar rituais religiosos. Mas que com o tempo e a convivência foram se extinguindo e hoje ela sente que que a comunidade já acolhe o espaço com pertencimento.
Integrando a Comunidade: Um Compromisso com a Inclusão
O Orum Aiyê dedica-se a integrar a comunidade local, especialmente a população negra que busca um espaço de acolhimento e expressão artística. Diversas ações são direcionadas para adultos em situação de vulnerabilidade, oferecendo oficinas, atividades culturais e um espaço seguro para o desenvolvimento da identidade afro-brasileira.
Olhando para o Futuro: Um Quilombo Cultural em Constante Evolução
Em palavras de Raquel Rocha: "Estamos aqui para oferecer um espaço onde as pessoas possam se conectar com suas raízes, encontrar acolhimento e se expressar artisticamente. A nossa proposta é desconstruir preconceitos e construir uma comunidade mais forte e unida."
O Orum Aiyê ecoa com o som dos tambores, pulsando como o coração da cultura afro-brasileira em Goiânia. É um espaço que inspira, educa e celebra a ancestralidade, convidando a comunidade a participar de uma jornada de resistência criativa e de valorização da rica herança cultural afro-brasileira.
A exposição segue em cartaz até o dia 14 de julho na galeria Sebastião dos Reis no Centro Cultural Octo Marques.
As Matriarcas
autoria - Raquel Rocha
Curadoria e expografia - Divino Sobral
Produção executiva - Marcelo Marques
Realização Orum Aiyê Quilombo Cultural
Performance Abô
Direção e Criação
Raquel Rocha
Interpretação
Raquel Rocha
Marcelo Marques
Ideia Original
Raquel Rocha
Contemplada pelo edital de fomento ao artesanato do Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás 2023.