
Enquanto interpreta “Rubro Zorro”, do disco “Psicoacústica” (1988), o vocalista da banda Ira!, Nasi, avisa que cantará a seguir um faroeste do terceiro mundo. “O caminho do crime o atrai como a tentação de um doce”, vocaliza, ouvindo parte do público gritar “sem anistia!”.
“É isso aí”, endossa o artista, que passa a ser vaiado. Seu comentário contra a anistia aos acusados pelos ataques golpistas do 8/1 divide opiniões. Nasi reage: “Pra vocês que estão vaiando, vou falar uma coisa: tem gente que acompanha o Ira!, mas nunca o entendeu.”
Zangado, ele prossegue: “Tem gente que acompanha a gente, e é reacionário. Tem gente que acompanha o Ira!, e é bolsonarista. Isso não tem nada a ver, gente!”, responde, irritado, pedindo para esses fãs saírem “da nossa vida”. “Vão embora. Não apareçam mais em shows, não comprem nossos discos, não apareçam mais. É um pedido que eu faço.”
O Ira! se apresentava no sábado, dia 29 de março, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). “Rubro Zorro” se inspira no filme “O Bandido da Luz Vermelha”, dirigido pelo cineasta Rogério Sganzerla, representante do cinema marginal. A guitarra e o violão direcionam o ouvinte a um clima soturno, com o baixo latejando notas musicais.
Na última quarta-feira, 9, onze dias após o show em Minas Gerais, a produtora 3LM Entretenimento optou por cancelar datas do Ira! em quatro cidades de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em nota, a 3LM alegou que não havia outra saída a não ser desmarcar as apresentações em Jaraguá do Sul (SC), Blumenau (SC), Caxias do Sul (RS) e Pelotas (RS).
Para a produtora, os artistas “deveriam subir ao palco apenas para apresentar suas músicas e talentos”. Na estrada com a turnê que celebra os 20 anos do disco “Acústico MTV”, o Ira! tem dois shows marcados em Goiás: em 20 de junho, sexta-feira, toca em Pirenópolis no PiriBier; no dia seguinte, sábado, faz show em Goiânia no Centro de Convenções da PUC.
Por meio de nota, a empresa Trilha Entretenimento, que promove o show do Ira! no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre (RS), debocha das datas canceladas no Sul. “Não temos outra alternativa a não ser comunicar que o show ‘Ira! Acústico 20 Anos’, que estava programado para o dia 9 de novembro, sábado, no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, irá ocorrer normalmente (e a previsão é de casa cheia, viu?)”, ironiza a produtora.
Até o fechamento deste texto, as datas estavam confirmadas tanto em Piri quanto na capital goiana. O geógrafo Fábio Borges diz, ao escrever nas redes sociais, que o “Ira! é muito top”. “E não gostar de bozolóides torna esses caras ainda mais especiais”, afirma. A economista Shirley Fernandes Bandeira, por sua vez, se afirma contrária ao grupo. “Sou de direita.”

Turnê
O guitarrista Edgard Scandurra e o vocalista Nasi, membros remanescentes da formação que gravou o projeto da MTV, revisitam nos shows as 19 faixas do “Acústico MTV”, um dos mais exitosos de suas carreiras: 1 milhão de cópias entre CDs e DVDs. A versão em DVD tem 19 canções, cujos arranjos se destacam pela ternura. No formato CD, três composições a menos.
Em termos de performance, nota-se a emoção de Nasi vinda de sua voz rasgada. Edgard Scandurra, guitarrista virtuoso, põe cordas delicadas nas canções. Além daquele cantor e deste instrumentista, a banda contava ainda com Gaspa (baixo) e André Jung (baterista), substituídos na turnê pelos músicos Evaristo Pádua (bateria) e Daniel Scandurra (baixolão).
Seja no formato CD ou DVD, há que se destacar o time de convidados: Samuel Rosa interpreta “Tarde Vazia”, enquanto Pitty solta o gogó em “Eu Quero Sempre Mais” e Herbert Vianna participa do hit “Envelheço na Cidade”. Sem falar, claro, dos singles “Dias de Luta”, “Flores em Você”, “Núcleo Base” e “O Girassol” — todos executados nos shows da banda.
O grupo, aliás, toca uma versão para “Train in Vain”, do The Clash, nomeada “Pra Ficar Comigo”. Homenagem à banda punk inglesa — conhecida pela consciência política com a qual celebrou o movimento sandinista em disco triplo de 1980 —, a música de certa forma exemplifica o fascínio de Scandurra e Nasi por Sex Pistols, Clash e, especialmente, The Jam.
Fundado em 1981, o Ira! reforça sua postura progressista. “Nós somos democráticos. Nós passamos pela ditadura. O que eu quis dizer é o seguinte: eu não quero ter público fascista”, explica Nasi à “Billboard”, sugerindo que o público à extrema direita vá ao show do Ultraje a Rigor. “Por que eles não vão encher o saco dos contratantes para contratar esses porras?”
Sobre o episódio ocorrido em Contagem (MG), Nasi acredita que ele e o Ira! saíram maiores do que entraram. “Estou cansado de responder a pergunta ‘por que o rock ficou de direita?’. Ficou de direita nada! Por causa de dois, três idiotas? Depois disso, a pessoa até respondeu: ‘Obrigado, Nasi, agora eu fico tranquilo’. Esse tipo de pessoa vai ter diálogo comigo.”