Centenas de testemunhas presenciam há anos os espetáculos frenéticos da Mechanics no Martim Cererê. Meio The Stooges, meio Melvins, a banda goiana reflete espírito da cultura pop atual. Dialoga com quadrinhos, cinema trash, artes visuais e literatura marginal.
Mechanics e as formigas comendo porra. Mechanics e sua energia caótica. Mechanics e seus três acordes. Mechanics e sua estética rock’n’roll sujona. Mechanics e sua música autoral.
Mechanics estremecerá hoje as estruturas do Cererê, um dos principais centros culturais de Goiânia e palco sagrado do rock produzido em Goiás. Tudo por um motivo justíssimo: 30 anos de carreira desse grupo fundamental para a cena local e para o underground brasileiro.
Para o show no Cererê, a banda revisita músicas emblemáticas, como “Sex Misery Machine”, “Ódio”, “Fogo”, “Fracasso” e “Século XXI”. São testemunhos daquela sonoridade abrasiva e espírito insolente que marcou a cena de rock brasileira nos anos 1990. Ou seja: é chance de relembrar e, sobretudo, levar até às últimas consequências essa música insubmissa.
A Dorsal Atlântica, expoente do heavy metal brazuca, tem a missão de pesar o som no rolê. Marcada para iniciar às sete da noite, a festa contará ainda com apresentações de Spiritual Carnage, Zeugma e Madam No Mercy. Anote aí: ingressos pelo bilheteriadigital.com.
Criada em 1994, a Mechanics traz em sua formação atual o fundador Márcio Jr. (vocal), Katú Leão (guitarra), Nicolas Deretti (baixo) e Pedro Brito (bateria). Nas últimas três décadas, tempo capaz de polir qualquer rock com o verniz da estrada, a banda construiu sólida carreira. Foi a única que tocou em todas as edições do Goiânia Noise Festival, por exemplo.
De lá para cá, excursionou País afora. Tocou em São Paulo e Rio de Janeiro, BH e Aracajú, Recife e Salvador, Natal e Curitiba, Porto Alegre e Floripa e, claro, Brasília. Já dividiu o palco com Paul Di´Anno, ex-vocalista do Iron Maiden, e Sérgio Dias, virtuose da guitarra brasileira e ex-integrante de Os Mutantes, bem como Nação Zumbi e Ratos de Porão.
Márcio Jr. conta ao DM que a vida na estrada para uma banda underground é cheia de perrengues e imprevistos. “Mas é muito mais cheia de diversão. Incrível a possibilidade e potência de você estar num palco e se conectar com pessoas, reencontrar os amigos, fazer novos amigos, fazer parte de uma rede de pessoas que pensam a música e a expressão artística de uma maneira completamente diferente do que seria no mainstream”, afirma.
Visceral e transgressora, a Mechanics se revela inovadora. Sua sonoridade, se bobear, ilumina metrópole como Goiânia durante apagão de ideias. É rock enérgico, multifacetado, como tem de ser. Desfere tabefes na percepção encaducada dos caretas e dessa gente covarde, pois a banda, diz o vocalista, usa a linguagem roqueira como canal comunicativo.
“Isso, pra gente, é algo muito caro”, assume Márcio Jr., que sente prazer em meter o pé na estrada com a moçada. “Em última instância, eu gosto de dizer que insistir nesse negócio é porque a gente não consegue mesmo parar. Os perrengues acontecem a cada momento”, emenda o artista, que perdeu sua carteira — com cartões e documentos, vixe, que dor de cabeça! — durante a passagem da turnê comemorativa por Brasília, no último domingo, 17.
Proposta artística
Nessas três décadas, o grupo conseguiu se manter fiel à proposta artística do início. Os músicos, irreverentes e criativos, chamam a trajetória roqueira de “fracasso”, ironia que reflete o compromisso deles com a contracultura, escancara-lhes o espírito independente com que observam sociedade e mostra a nós capacidade com que resistem às adversidades.
Mechanics faz rock — antes de tudo. “Não acredito em rock que não tenha como sua essência a rebeldia, a transgressão, a resistência, a luta contra o conservadorismo. Nesse sentido, o que a gente faz aqui, na terra do agro e berço do sertanejo, é de fato resistência e rebeldia. Mas é também maluquice, dada a proporção das coisas”, analisa Márcio Jr.
Assim, postas as questões estéticas e discursivas, a música do Mechanics é antítese ao que significa o agro e o sertanejo. “A gente se comporta como se, sei lá, a música sertaneja não existisse. Não acho que uma pessoa que ouve Bruno e Marrone, Gusttavo Lima, esses caras aí, vai ter interesse na nossa música ou qualquer outra manifestação estética digna de nota. É como se a gente fosse invisível pra eles, do ponto de vista criativo, e eles invisíveis pra nós.”
Márcio Jr. revela ainda que na estrada começou a surgir novas ideias. “A gente tá com uma música nova que estamos tocando nesses shows, mas ainda não foi gravada. Tem sido uma resposta realmente excelente por parte do público. Chama-se ‘Cru’. Eu tenho muita vontade de voltar pro estúdio, de produzir um álbum. Nós somos uma banda de álbum.”
“Já tem muita coisa avançada. Pra isso, a gente precisa chegar vivo ao fim da turnê. O primeiro desafio é esse: terminarmos essa turnê dos 30 anos inteiros e pronto pra tocar tudo adiante”, diz. Pois Mechanics estaciona no Martim Cererê, hoje, às dez da noite. Vamos?
MECHANICS 30 ANOS
Hoje, 22, a partir das 19h
Martim Cererê
Travessa Bezerra
de Menezes, Setor Sul
A partir de R$ 40