O tempo voa, amor. Escorre pelas mãos. Mire esse cara ali em cima do palco, tá bem? Está a cinco ou seis fileiras. Me acho em pé, no Centro de Convenções da PUC, Jardim Mariliza. Eu e umas quinhentas pessoas, chutando por baixo. São acordes à la George Harrison, que buscam no inconsciente memórias distantes. Hitmaker implacável, esse tal de Lulu Santos.
Canta Lulu um importante hit: “eu vejo um novo começo de era/ de gente fina, elegante e sincera/ com habilidade pra dizer mais ‘sim’ do que ‘não’/ hoje o tempo voa, amor/ vamos viver tudo o que há pra viver/ vamos nos permitir/ eu quero crer no amor numa boa”.
Era manifesto dos jovens nos anos 1980. De certo modo, anunciava ainda o pop rock da década. Os versos de “Tempos Modernos”, que abrem o primeiro disco do artista, foram escritos pelo próprio guitarrista-cantor. São costurados por acordes ao estilo Beatles. Simpáticos e econômicos, os sussurros de slide se intercalam à voz de Lulu Santos.
Na PUC, Lulu cantava dirigindo olhares para o público, com a segurança de quem havia construído discografia indispensável para o pop brasileiro, dedilhando sua guitarra e tecendo nela pequenos comentários melódicos. “Não sei o porquê fiquei tanto tempo sem visitar Goiânia”, disse o pop-star, em agosto último, durante show da turnê Barítono.
Essa cena pode se repetir neste sábado, 29, a partir das 22h, no mesmo lugar. Exato, Lulu voltará ao Centro de Convenções da PUC mostrando show bem-aceito pelo público, uma vez que os fãs pediram ao artista um retorno aos palcos goianienses. Dessa vez, imploravam, sem tanta demora. E, se possível, que trouxesse sucessos da carreira.
Conforme o tropicalista Caetano Veloso, Lulu parece ter criado a trilha sonora de um país. Ao menos dos jovens, acredite, ele criou. É o que se percebe em “Barítono”. Iniciada nos Estados Unidos, a turnê revisita canções que marcaram nossas vidas, caso de “Apenas Mais Uma de Amor”, “Toda Forma de Amor”, “Um Certo Alguém”, “Tempos Modernos”.
Era onde minha voz ficava mais confortável. E o curioso é que as pessoas que se lembram das músicas que estão naquele disco se lembram mais dessas versões acústicas do que gravações das originais Lulu Santos, cantor e compositor
Há ainda surpresa: “Presente”, faixa inédita. E outra curiosidade, essa já conhecida do público, é verdade. O barítono passou a ser região de canto que mais tem deixado Lulu confortável. Com sete décadas de vida, o músico esbanja vitalidade, fato que não o impediu de diminuir o tom das canções em relação à maneira com que foram gravadas.
As sete décadas, que o músico diz ser apenas justificativa para meter o pé na estrada (“like a rolling stone”), podem ser também data apropriada para refletirmos mais sobre sua obra. É – sim – jovialíssima. Mantendo-se popular dentre os jovens, acumula 3,5 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Jovialidade é algo que Lulu conhece – e bem – desde os anos 70.
Como a onda era o rock progressivo naquele tempo, esteve integrado à banda Vímana. Lulu tocava guitarra, Ritchie cantava, Lobão conduzia a bateria, Fernando Gama grooveava no baixo e Patrick Moraz deslizava pelos teclados. Respeitados no cenário underground do Rio de Janeiro, pintou uma lorota de que iriam rivalizar com o Yes, numa hipotética carreira internacional. Lobão, encrenqueiro, quebrou o pau com Lulu. Este, por sua vez, caiu fora.
Hitmaker
Tão logo abandonou o virtuosismo delirante da música progressiva, Lulu – sob o nome de Luiz Maurício – passou a trabalhar como produtor de repertório para novelas na gravadora Som Livre, então dirigida pelo empresário João Araújo. “Põe minha música na novela! Quero ser artista”, pediu ao chefe, segundo relato do jornalista Ricardo Alexandre, no livro “Dias de Luta”. “Melô do Amor” entrou na trilha de “Plumas & Paetês”, mas não virou hit.
Demitido da Som Livre, Lulu se mostrava guitarrista influenciado pela black music carioca de Cassiano e Robson Jorge. No início dos anos 80, lançou o compacto “Tesouros da Juventude”, escrito sob comoção pela morte de John Lennon, em dezembro de 1980. Posteriormente, apontou para nova era do pop brazuca com “Tempos Modernos”, de 1982.
O disco inaugura a discografia de Lulu. Não à toa, é base de “Barítono”. Faixa a faixa, revela-se instrumentista capaz de criar riffs-clichetes. Assim tem sido desde então: reinado fonográfico nos anos 80, sintonia com o som das pistas na década de 90 (DJ Memê) e reciclagem nos anos 2000 – com quatro discos publicados.
Lulu tem dito que apenas aposta no feeling da felicidade quando cria o show com o qual está percorrendo o País. A turnê se chama Barítono, região de canto grave – mas não tão grave quanto o som do baixo – e que se tornou seu estilo de canto. Ele experimentou isso com certa evidência pela primeira vez, como recorda num texto enviado à imprensa, na faixa “Esse Brilho em Seu Olhar”, do álbum “O Ritmo do Momento”, publicado em 1983.
Anos depois, em 2000, lançou o disco “Lulu Santos Acústico MTV”. Lulu baixou as tonalidades das canções em um tom. Alguns críticos o desprezaram por isso, como se a idade fosse limitá-lo no futuro. “Era onde minha voz ficava mais confortável. E o curioso é que as pessoas que se lembram das músicas que estão naquele disco se lembram mais dessas versões acústicas do que gravações das originais”, disse, antes de cair na estrada, em 2023.
De fato, é preciso transpirar para fugir das armadilhas na criação. Como diz o jornalista Julio Maria, ao falar sobre a morte da originalidade na música. “É suar, muito, mas é também driblar as armadilhas das referências, afrouxar as correntes da tradição e, sobretudo, desconfiar de ideias que se apresentam o tempo todo como se fossem nossas. Chegar ao veio de ouro é uma conquista de poucos. Bem poucos”, escreve. Lulu Santos está nesse time.
LULU SANTOS
Sábado, 29, às 22h
Teatro da PUC
Av. Engler, 507
Jardim Mariliza
A partir de R$ 140
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