“Diário de um Louco”, inspirado em conto publicado pelo escritor russo Nikolai Gogol, será encenado neste sábado, 21, às 20h, na Novo Ato, Criméia Leste, com entrada franca. A peça narra história do funcionário público Alexander Ivanovich, papel do ator Luiz Cláudio.
Aos 42 anos, Alexander nunca foi promovido no trabalho. Vive, pobre diabo, em uma entediante função há uns bons anos. Apaixonado pela filha do chefe, senhora Sophie, toma conhecimento por meio de cartas que ela se casará com senhor Teplof tão logo seja possível.
Alexander é, digamos, homem do povo. Não tem título de nobreza nem se insere na burguesia. Ou inclui-se no generalato. Desenganado, a paixão platônica lhe é o único prazer.
Escrita em 1835, sob a Rússia do tsar Nicolau 1°, não foi pensada para palcos. No entanto, a prosa irônica e bem-humorada gogoliana parece ter sido criada para o teatro desde o século 19. É impressão que temos ao assistir em cena Luiz, que, sozinho, vive angústias desse personagem sem chance de realizar-se em sua desafortunada vida — no labor ou no amor.
À medida que a ação avança, o personagem recobra consciência de si e de sua situação. Acompanhamos, explica Luiz, a perda de sua identidade. Sofre, o infeliz. Sofre de psiquismo adoecido. Rolam alterações visuais, delírios gerais, sinestesias. Fala se desorganiza.
“Tudo começa a suceder na contradição com o real, no seu plano de fuga, e vive sua irreal personalidade se julgando o rei da Amazônia”, relata o ator, tomando liberdade poética. “Acaba, então, sendo levado a um manicômio. É submetido a um brutal tratamento de choque”, emenda Luiz, dirigido em cena pela atriz e dramaturga Marília Ribeiro.
Perdido de amor (o que lhe atormenta), Alexander está condenado a “ouvir e ver coisas que ainda ninguém viu nem ouviu”. E, angustiado, resolve perseguir o animal de estimação da estimada mulher, de modo “a ver o que é que ele pensa.” O tradutor Filipe Guerra afirma que Gogol mistura “o real e o fantástico, o normal e o patológico, o razoável e o delírio”.
Luiz Cláudio, por sua vez, diz que se nota no texto e no espetáculo sensata crítica social nas elucubrações “deste louco, na arte onde se passa gradativamente do cômico ao patético”. “O pano de fundo do espetáculo joga com o lúdico, com o tragicômico, com a realidade absurda em que o ser humano é tratado com insignificância, como sendo uma estatística, num mundo cada vez mais burocrático e segmentado socialmente”, filosofa o artista.
Humano, demasiadamente humano, Alexander gera empatia no público. Para a encenação deste sábado, 21, Luiz conta que foram feitas adaptações, como rio poluído anicunskfute — referência ao Anicuns — na favela compartimentada, nos quadros de violência e na tortura. Fica evidente intertextualidade com o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade.
O ator revela que construção do cenário ocorreu após pesquisa nas artes visuais russas, com estruturas metálicas envelhecidas em objetos de cenas maiores que o normal. Já a iluminação, conforme Luiz, acompanha-o em sua movimentação pelo espaço. A trilha sonora foi composta para o espetáculo, enquanto o figurino é assinado por Ivete Portela.
“Tons pastéis e marrons trabalham para demonstrar condição social e psicológica. Ao longo do espetáculo, o figurino do personagem vai se esfacelando assim como sua consciência”, detalha o artista. “Diário de um Louco” tem apoio da Lei Paulo Gustavo.