Home / Cultura

Show

Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá celebram discos da Legião Urbana no Goiânia Arena

Dado e Bonfá trazem encerramento da turnê ‘As V Estações’ ao Goiânia Arena, nesta sexta-feira, 2, a partir das 20h. Saiba o que esperar da apresentação

Dado Villa-Lobos (à esquerda) e Marcelo Bonfá (à direita) - Foto: Leo Aversa/ Divulgação Dado Villa-Lobos (à esquerda) e Marcelo Bonfá (à direita) - Foto: Leo Aversa/ Divulgação

E lá vem você flanando. Assobiando a passos desacelerados, curte um concerto da Legião Urbana rolando na tua cabeça. Rockão me despiroca a cachola ou, melhor ainda, rockão me rebela o inconsciente. “Vamos sair mas não temos mais dinheiro/ os meus amigos todos estão procurando emprego”, cicia Renato Russo, enquanto caminhamos até a incerteza.

Legião sempre foi sobre emoção, muitas vezes no limite daquilo que o dito “bom gosto” julga aceitável. Honestidade se sobrepõe ao virtuosismo. Renato, Dado e Bonfá — e seus companheiros de geração — sacaram que falta de habilidade musical não implica na renúncia ao tesão. Legião te faz de gato e sapato, Legião te arrepia, Legião te bota pra chorar.

Tô ouvindo “V” no último volume. Tento explicar, porém: Dado e Bonfá trazem nesta sexta, 2, ao Goiânia Arena encerramento da turnê “As V Estações — Teremos Coisas Bonitas para Contar”. Tal disco me diz palavras emocionantes demais. Costumo evitá-lo. Ou costumava, não sei. Sei apenas que escutei à exaustão seu antecessor, o sublimado “As Quatro Estações”.


		Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá celebram discos da Legião Urbana no Goiânia Arena
André Frateschi (segundo da esquerda à direita) performa Renato Russo. Foto: Leo Aversa/ Divulgação


Ambos — “As Quatro Estações” e “V” — conduzirão o show dado pelo guitarrista e baterista em Goiânia. André Frateschi, vocalista e ator, interpreta as letras de Renato. Já os assisti três vezes, contando que irei sextar ao som deles: apresentação bonita da porra.

Lançado em 89, “As Quatro Estações” marca a saída dos versos cavernosos para um texto, digamos, mais espiritualizado. Renato andava mergulhado na filosofia oriental de Buda. Às vezes, lia também a Bíblia Sagrada, mas poderia mudar para Camões. Já “V”, de 91, é outra história: bandolins, harmonias elaboradas, acordes invertidos à moda João Gilberto.

Para Renato, “V” era “lento de propósito”, com espaço para os temas instrumentais “A Ordem dos Templários”, no qual a referência era o período medieval, e “Come Share My Life”, baseada no folclore americano. O disco chegou às rádios com as baladas-confissões “Teatro dos Vampiros”, ”O Mundo Anda Tão Complicado” e “Vento no Litoral”.

Longe de ser fácil celebrar essas obras. Nos últimos anos, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá brigaram nos tribunais com Giuliano Manfredini, filho de Renato, que tinha pouco mais de sete anos quando o pai morrera, em 96. O herdeiro pedia na Justiça um terço dos lucros. Como justificativa, Giuliano alegava uso indevido da marca Legião Urbana.

Os desentendimentos se iniciaram em 2015, quando os legionários caíram na estrada para celebrar os 30 anos do primeiro elepê. Sempre disseram, todavia, que não era show da Legião Urbana. “A Legião — como banda — acabou com a morte do Renato, em 1996. E ninguém pode substituir Renato. Único e insubstituível”, declararam os músicos à imprensa.

Bem depois do fim, é verdade, realizaram shows-tributo no Uruguai (2008), no Rock in Rio (2011) e na MTV (2012). Só que a ideia deles consistia em preservar suas histórias, músicas e públicos. Daí, sem jamais distanciar-se desses objetivos, celebraram os discos “Dois”, de 86, e “Que País é Este”, 87, com direito a show politizado e apoteótico no João Rock, em 2019.

Não devemos, óbvio, forçar comparações: nem aquele que melhor incorporou Renato, André Frateschi, pode ser comparado ao trovador legionário. Possui boa presença de palco, chega bem às notas agudas — e é discreto nas graves. Tá tudo bem. Renato Russo, afinal, sobrevive na atemporalidade de suas canções, na crônica do nosso desassossego, no gênio poético.

Peguemos a letra de “O Teatro dos Vampiros”, do disco “V”. Os versos “a riqueza que nós temos/ ninguém consegue perceber/ e de pensar nisso tudo, eu, homem feito/ tive medo e não consegui dormir” dilacera nossas angústias existenciais, mas nos bate a real adiante: “Os meus amigos todos estão procurando emprego/ voltamos a viver como há dez anos”.

Dotes vocais

Renato exibia ainda dotes vocais impressionantes, tocantes. Era, sim, um gênio da caneta. Contudo, jamais se recomenda descartar a forma com que Dado e Bonfá tocam essas músicas. Presto atenção a elas enquanto ouço Legião aqui onde estou. Se há brilho inesperado na prosódia renatiana, o instrumental muda direcionamento de forma repentina.

Vai do tom maior ao menor, da guitarra furiosa a acordes melódicos, como escuto em “Metal Contra as Nuvens”. Há certa jocosidade em falar isso de uma banda que, como tantas do rock brasileiro oitentista, surgiu impulsionada pela fúria do Sex Pistols e The Clash.

Embora seja o retrato discográfico mais sombrio da Era Collor, “V” representa a fase da ruptura emocional. Era ainda primeira obra de Renato após ter sido declarado soropositivo. Logo ele, que temia tanto algo assim. Diante de contexto como esse, demorei para voltar a ouvir “V”. Ou simplesmente fugi disso. Arrependo-me, porém. E não encaro de forma fácil “O Descobrimento do Brasil”, publicado em 93, no período de remissão ao alcoolismo.


		Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá celebram discos da Legião Urbana no Goiânia Arena
Dado e Bonfá. Foto: Leo Aversa/ Divulgação


Rolando a audição de “V” e me pergunto por que tenho ouvido pouco Legião Urbana nos últimos tempos. Só pode ser tristeza. Não há outro motivo. Sigo achando ótimo o repertório do grupo. E, no entanto, dói ouvir Renato cantando seus últimos versos, cantando um Brasil demencial insistindo em latir nas músicas “O Teatro dos Vampiros”, “Perfeição” e “Será”.

Legião Urbana continua essencial, rock’n’roll total, com seus andamentos progressivos, suas letras enternecedoras, sensíveis. Renato, a nossa voz-guia da juventude transviada, sabia tudo da Janis, do Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones. Mas, de uns tempos pra cá, meio sem querer, alguma coisa aconteceu: será que foi com ele ou comigo?

AS V ESTAÇÕES

Quando: Sexta, 2, a partir das 20h

Onde: Goiânia Arena

Endereço: Avenida Fued José Sebba, Jardim Goiás

Ingressos: R$ 80

Como comprar: icones.com.br

Classificação: 18 anos

Mais vídeos:

Leia também:

  
  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias