Home / Cultura

Música

Crítico cultural repassa biografia de Bob Dylan a partir de sete canções

Obra acumula elogios pelo rigor com que narra jornada artística do trovador estadunidense. Entenda por que Dylan é um ícone cultural

Bob Dylan, cantor e compositor: vencedor do Nobel da Literatura em 2016 Bob Dylan, cantor e compositor: vencedor do Nobel da Literatura em 2016

É o seguinte: tá pra chegar nas livrarias biografia de Bob Dylan, esse trovador cínico, doidão e desbocado que eletrificou o folk nos anos 60. Sete canções vão reconstruir a vida dylaniana, em publicação assinada pelo respeitadíssimo crítico musical estadunidense Greil Marcus, 79.

O livro se chama “Folk Music: Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções”. Saiu nos mundos anglófono e francófono há dois anos, com direito a elogios rasgados na revista “New Yorker” e no jornal “Le Monde”. Na próxima terça, 3, ganha edição brazuca pela Zain.

Ensaísta obsessivo, Marcus elevou nos últimos anos sua pena jornalística ao quilate mais valorizado quando o assunto é Dylan. Já assinou 17 livros. Desses, quatro têm Robert Zimmerman como objeto de análise. Um deles, “Bob Dylan na Encruzilhada” (Companhia das Letras), relaciona a canção “Like a Rolling Stone” à política, à sociedade e à cultura.

As frases do pesquisador revelam que curiosidades a respeito do cantor-poeta não se localizam em sua vida privada. Talvez fale de si próprio nas canções lavradas, porque seus casamentos, como não se cansa de dizer, jamais deveriam interessar aos fãs. “Escrevo canções, toco no palco e gravo discos. É isso. O resto não é da conta de ninguém”, ratifica.

Daí, sem escolha, você biograficamente se volta aos discos. Quer dizer, então, que os acordes de guitarra e violão dylanianos se tornaram meio a partir do qual versos chegam às pessoas? Para Marcus, meter-se a perfilar Dylan implica em gastarmos boas laudas lendo sobre Woody Guthrie e Elvis Presley, Aretha Franklin e Joan Baez, Karen Dalton e Robert Johnson.


		Crítico cultural repassa biografia de Bob Dylan a partir de sete canções
Robert Johnson, um dos precursores do blues.


Sobre Johnson, a mais celebrada lenda do blues, Dylan sustenta que, ao escutá-lo cantar, ficava em dúvida se pulava com armadura completa de guerreiro. Já Baez, lembra, lhe pareceu um ícone religioso compelido a jogar-se na masmorra do sacrifício cristão.

Marcus acredita que a grande plateia do soberbo Bob Dylan seja composta pelos ídolos pretéritos. “Aqueles que o artista tenta não desonrar quando canta suas canções ou transforma essas canções em outras”, observa o ensaísta, com autoridade, na bem-recebida biografia. “Pode ser que sua biografia verdadeira esteja em habitar outras vida.”

Ao traçar um percurso narrativo incomum, o pesquisador se viu preso num impertinente dilema sonoro-literário. Ora, precisava definir quais seriam as sete canções selecionadas. “Like a Rolling Stone” estava excluída. Não fazia sentido tê-la ali, uma vez que já fora objeto ensaístico de outro livro. O desafio, complicadíssimo, era não soar repetitivo, enfadonho.

Aqueles que o artista tenta não desonrar quando canta suas canções ou transforma essas canções em outras” Greil Marcus, crítico musical

Ou, melhor, não soar chato. Por via das dúvidas, escolheu “Blowin’ in the Wind”, “The Lonesome Death of Hattie Carroll”, “Ain’t Talkin’”, “The Times They Are A-Changin’”, “Desolation Row”, “Jim Jones”. Para fechar o livro, Marcus analisa “Murder Most Foul”, épico publicado na pandemia, no qual viajamos pela cabeça do presidente John Kennedy.

A música de 17 minutos, como se ouve, embrenha-se pelo inconsciente do político democrata num “dia escuro em Dallas”. O pesquisador, simpático ao que Dylan já fez, faz hoje e ainda fará, cria tese segundo a qual esse fato histórico não se encerra com a morte de Kennedy, pois vira raio-X de doença bélica que acomete os Estados Unidos.

Sabe-se que o ex-presidente dos EUA levou um tiro. O primeiro lhe perfurara pescoço, enquanto o segundo, impiedoso, lhe atingira a cabeça. Foi em 63, esse atentado. Dylan, se ainda restavam dúvidas, sempre foi homem da palavra. Ou da Palavra, se você é religioso.


		Crítico cultural repassa biografia de Bob Dylan a partir de sete canções
Capa do “The Freewheelin´ Bob Dylan”, publicado em 63.


Começo

“Folk Music: Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções” começa no início dos anos 60 com “Blowin’ in the Wind”. Marcus, contudo, achou a canção “meio tosca” quando a ouvira pela primeira vez, no fim do versão, em 63. “Parecia fácil demais, o cantor estava bajulando o ouvinte, presumindo uma afinidade de opinião entre eles”, explana o crítico cultural.

Sintonizada nas transformações sociais do período, a voz anasalada amplia mudanças sociais, como percebemos na capa do disco “The Freewheelin´ Bob Dylan”, publicado em 63. Dylan, jaqueta marrom, mãos depositadas no bolso da calça e rosto abaixado, Dylan caminha por Greenwich Village. A namorada da época, Suze Rotolo, lhe abraça — cúmplice.

“Jamais quis ser profeta ou salvador”, dizia o cantor. Diante do rock (auge da beatlemania, começo dos Stones), não podia continuar sendo aquele cantor folk solitário. Quando aparecera com guitarra elétrica no Festival Folk Newport, ousado e moderno, foi alvo de chacota dos puritanos. “Highway 61” resultou digno e, apesar das vaias, é atemporal.

Essa turma, coitada, mal sabia que o rock’n’roll deixava de ser uma música adolescente. Os Stones enlouqueceram quando foram apresentados à música “Subterranean Homesick Blues". Keith Richards, guitarrista da banda londrina, se deslumbrou com o pedal utilizado por Dylan a ponto de procurar timbre parecido para a gravação da apoteótica “Satisfaction”.

Em pouco mais de um ano, Dylan botou nas lojas dois elepês fodásticos: “Highway 61 Revisited”, 65, e “Blonde on Blonde”, 66. Bob Dylan, eu sei, pode achar que tudo isso é uma solene “besteira desajeitada”, como fala em depoimento ao cineasta Martin Scorsese durante “A Bob Dylan Story” (Netflix). Ler Dylan — ou ler sobre Dylan — eleva nosso espírito.

UMA BIOGRAFIA DE BOB DYLAN EM SETE CANÇÕES

R$ 74,90 (impresso)

R$ 52,90 (e-book)

Greil Marcus, autor

Editora Zain

Mais vídeos:

Leia também:

  
  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias