A inauguração do Centro Audiovisual Indígena (CAud) em Goiânia, nesta quinta-feira, 11, é um marco para a preservação e valorização da rica cultura dos povos originários do Brasil. Idealizado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e gerido pelo Museu Nacional dos Povos Indígenas, o CAud tem como objetivo democratizar o acesso à produção audiovisual indígena, fortalecer a identidade cultural e promover o diálogo intercultural.
A abertura do CAud será marcada pela exposição "Xingu: contatos", idealizada pelo Instituto Moreira Salles (IMS). A mostra, que ficará em cartaz até 13 de outubro, reúne cerca de 150 itens, incluindo filmes, fotografias, documentos e obras de artistas indígenas, traçando um panorama abrangente da história e da cultura do Xingu, desde o século XIX até os dias de hoje.
Sob a curadoria do jornalista e historiador Guilherme Freire e de Takumã Kuikuro, cineasta, artista visual e liderança indígena brasileiro, nascido na aldeia Ipatse, no Território Indígena Xingu, no Mato Grosso, a exposição destaca-se pela sua profundidade e autenticidade. Takumã, reconhecido internacionalmente por sua obra cinematográfica, é um dos principais representantes da produção audiovisual indígena no Brasil..
Ritual do Jawari no Alto Xingu, 1955
A idéia da exposição surgiu durante a produção do podcast "Xingu: terra marcada", que estreou em abril de 2021 na Rádio Batuta, a rádio online do Instituto Moreira Salles (IMS), onde os curadores deram início à pesquisa para a exposição.
Dividido em cinco episódios, o podcast narra a história da luta pela demarcação do Parque Indígena do Xingu e seu impacto contínuo na defesa dos direitos indígenas. O programa apresenta entrevistas com pesquisadores e lideranças, oferecendo a perspectiva dos povos xinguanos sobre a trajetória do parque e a atualidade das questões indígenas.
O Diário da Manhã conversou com Guilherme Freire, curador da exposição, explorou os detalhes e significados por trás dessa iniciativa única.
Nosso objetivo principal é traçar uma jornada visual através da história do Xingu, desde as primeiras imagens capturadas pelos exploradores europeus até o impactante cinema indígena dos dias de hoje. Queremos não apenas documentar, mas também celebrar a cultura e a resistência dos povos indígenas Guilherme Freire
A exposição não se limita a exibir imagens estáticas; ela é um mergulho profundo na evolução cultural e política das terras do Xingu ao longo dos séculos. Freire destaca a importância de incluir o ponto de vista indígena na curadoria: "É fundamental que as vozes indígenas sejam as protagonistas na narrativa sobre o Xingu. Eles não são apenas os sujeitos das fotografias e filmes, mas também os autores de suas próprias histórias visuais. Isso dá à exposição uma autenticidade e uma profundidade que são essenciais para o entendimento completo do contexto."
No CAud os visitantes são convidados a explorar não apenas as imagens históricas, mas também a interatividade dos vídeos contemporâneos produzidos pelas comunidades indígenas do Xingu. Essa fusão de passado e presente não só educa, mas também inspira uma reflexão crítica sobre a preservação cultural e ambiental.
"Não podemos separar a cultura indígena de sua luta pela demarcação de terras. A exposição destaca como esses dois aspectos estão intrinsecamente ligados", explica Freire. "Ao mesmo tempo em que mostramos a beleza das tradições, também chamamos atenção para os desafios enfrentados pelos indígenas em manter suas terras e modos de vida."
Expressão e resistência
O CAud vai além de um simples centro cultural. Ele se configura como um polo de formação, produção e difusão da cultura indígena, oferecendo cursos, oficinas, workshops e eventos que visam capacitar indígenas em técnicas audiovisuais e dar visibilidade à sua produção. Através da exibição de filmes, documentários e outras obras audiovisuais, o centro busca combater estereótipos e preconceitos, promovendo uma visão mais autêntica e diversa da realidade indígena.
O espaço conta com uma estrutura moderna e completa, composta por um estúdio equipado para produção audiovisual, possibilitando a criação de filmes, documentários e outros conteúdos. Um Auditório amplo com capacidade para 153 pessoas, ideal para a realização de eventos, palestras, projeções e apresentações.
Com um centro de exposições em uma área de 475 m² dedicada à exibição de obras de arte indígena, com miniauditório para eventos menores. Além de loja de artesanato e lanchonete onde os visitantes poderão adquirir produtos artesanais indígenas.
Cinco séculos de conflitos
A luta indígena no Brasil é marcada por séculos de resistência contra a colonização, exploração e a luta contínua por reconhecimento de seus direitos territoriais, culturais e sociais. Desde a chegada dos europeus ao continente americano, os povos indígenas enfrentaram diversas formas de opressão, violência e tentativas de assimilação forçada.
No contexto brasileiro, a história indígena, ganha destaque com a resistência contra a colonização portuguesa, seguida pela luta contra as frentes de expansão agrícola e extrativista ao longo dos séculos. A demarcação de terras, iniciada formalmente na década de 1980 com a Constituição Federal de 1988, é um dos pontos centrais dessa luta, visando garantir a posse permanente e exclusiva das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários.
Nos últimos anos, os indígenas têm enfrentado novos desafios, como o aumento das invasões de suas terras por grileiros, madeireiros, mineradoras ilegais e agropecuaristas. Além disso, políticas governamentais recentes têm ameaçado direitos conquistados, como a tentativa de flexibilização das demarcações de terras e o enfraquecimento de órgãos de proteção aos povos originários como a Funai.
Apesar dos desafios, os indígenas continuam a resistir e a buscar formas de preservar suas culturas, línguas e modos de vida tradicionais. Movimentos de base, lideranças indígenas, organizações não governamentais e apoio internacional têm sido fundamentais na defesa dos direitos indígenas e na conscientização sobre as questões enfrentadas por essas comunidades.
Fantasmas da colonização no Brasil contemporâneo
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2023, que considerou inconstitucional a tese do marco temporal dessas terras, marca um ponto importante nessa trajetória de luta e resistência. O julgamento terminou com um claro posicionamento, com nove votos a favor da inconstitucionalidade e apenas dois contra.
A tese do marco temporal, que limitava as demarcações de terras indígenas apenas às áreas ocupadas até a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi rejeitada pelo STF, reconhecendo a importância do uso tradicional contínuo das terras, independentemente da data de 1988.
Essa decisão representou uma vitória significativa para os direitos dos povos tradicionais no Brasil, reafirmando seu direito constitucional à terra e à preservação de suas culturas. No entanto, a luta continua, com novos desafios e batalhas pela frente, à medida que as comunidades indígenas persistem e defendem suas terras e modos de vida contra pressões externas.
Além disso, atualmente, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal está prestes retomar nesta quarta-feira, 11, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48/2023, que visa inserir a tese do marco temporal na Constituição Federal. Esta proposta, assinada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR) e outros 26 senadores, busca garantir que a demarcação de terra se restrinja às áreas que os povos indígenas ocupavam ou disputavam até a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Essa medida legislativa surge em meio a um contexto judicial complexo, onde a validade da Lei 14.701, de 2023, que instituiu o marco temporal, foi definida como inconstitucional pelo STF. Apesar das decisões favoráveis ao marco temporal no Senado, o debate continua acalorado tanto no âmbito legislativo quanto no judiciário, refletindo as profundas divisões e interesses envolvidos na questão das terras dos povos originários no Brasil.
Watatakalu Yawalapiti, 2019
Os brasis do Brasil: história e identidade
A criação do CAud representa um passo importante para o reconhecimento e a valorização da cultura indígena brasileira. O centro se propõe a ser um espaço de diálogo intercultural, promovendo o intercâmbio de saberes e experiências entre diferentes culturas. Através da produção e difusão da cultura indígena, o CAud busca contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, plural e intercultural.
"Esperamos que os visitantes saiam não apenas com novos conhecimentos sobre o Xingu, mas também com um compromisso renovado de apoiar os direitos indígenas e a preservação ambiental. É um convite para aprender com as culturas que resistem e prosperam há séculos, mesmo diante de adversidades." Acrescentou Guilherme.
Abertura do Centro Audiovisual (CAud) Data: 11, 12 e 13 de Julho
Local: Alameda Leopoldo de Bulhões, quadra 3, lotes 1/4, Setor Pedro Ludovico, Goiânia/GO
Programação:
11/7
16h: Abertura: “Xingu: um território demarcado na terra e nas telas”
Palestrantes: Joenia Wapichana, Marcelo Matos, Akiaboro Kayapó, Wellington Tapuia, Warruká Carajá, Takumã Kuikuro, Guilherme de Freitas e Fernanda Kaingang
12/7
18h: Roda de conversa: “Recontando os contatos: a experiência dos comunicadores indígenas”
Palestrantes: Takumã Kuikuro, Divino Tserewahu, Kamatxi Ikpeng e Kujaesage Kaiabi
13/7
10h: Contação de histórias com Yamalui Kuikuro
15h: Roda de conversa: “Recontando os contatos: a experiência dos comunicadores indígenas”
Palestrantes: Piratá Waurá, Arewana Juruna, Bepunu Kayapo e Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro
Exposição Xingu Contatos:
Abertura: 11 de julho de 2024
Visitação: até 13 de outubro de 2024
Entrada gratuita
Horário de funcionamento: de terça a sexta: 10h às 18h e sábados e domingos: 10h às 16h