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Centro Audiovisual Indígena: será inaugurado com a exposição "Xingu: contatos"

Goiânia abre as portas para um novo espaço dedicado à cultura indígena. O CAud tem o objetivo de democratizar o acesso à produção audiovisual indígena

Pajé Agaku Kuikuro em ritual de cura, aldeia Ipatse do povo Kuikuro, 1975 Pajé Agaku Kuikuro em ritual de cura, aldeia Ipatse do povo Kuikuro, 1975

A inauguração do Centro Audiovisual Indígena (CAud) em Goiânia, nesta quinta-feira, 11, é um marco para a preservação e valorização da rica cultura dos povos originários do Brasil. Idealizado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e gerido pelo Museu Nacional dos Povos Indígenas, o CAud tem como objetivo democratizar o acesso à produção audiovisual indígena, fortalecer a identidade cultural e promover o diálogo intercultural.


		Centro Audiovisual Indígena: será inaugurado com a exposição "Xingu: contatos"
Plantação de soja na divisa da Terra Indígena Wawi, 2020. Kamikia Kisêdje. Acervo do fotógrafo


A abertura do CAud será marcada pela exposição "Xingu: contatos", idealizada pelo Instituto Moreira Salles (IMS). A mostra, que ficará em cartaz até 13 de outubro, reúne cerca de 150 itens, incluindo filmes, fotografias, documentos e obras de artistas indígenas, traçando um panorama abrangente da história e da cultura do Xingu, desde o século XIX até os dias de hoje.

Sob a curadoria do jornalista e historiador Guilherme Freire e de Takumã Kuikuro, cineasta, artista visual e liderança indígena brasileiro, nascido na aldeia Ipatse, no Território Indígena Xingu, no Mato Grosso, a exposição destaca-se pela sua profundidade e autenticidade. Takumã, reconhecido internacionalmente por sua obra cinematográfica, é um dos principais representantes da produção audiovisual indígena no Brasil..

Ritual do Jawari no Alto Xingu, 1955

Ritual do Jawari no Alto Xingu, 1955

Ritual do Jawari no Alto Xingu, 1955 Em pé, ao centro, com cocar, Mapukayaka Yawalapiti. Sentados, da esquerda para a direita, Sariruá Yawalapiti e Orlando Villas-Bôas. c. 1955 Utebrewe Xavante, 1949

A idéia da exposição surgiu durante a produção do podcast "Xingu: terra marcada", que estreou em abril de 2021 na Rádio Batuta, a rádio online do Instituto Moreira Salles (IMS), onde os curadores deram início à pesquisa para a exposição.

Dividido em cinco episódios, o podcast narra a história da luta pela demarcação do Parque Indígena do Xingu e seu impacto contínuo na defesa dos direitos indígenas. O programa apresenta entrevistas com pesquisadores e lideranças, oferecendo a perspectiva dos povos xinguanos sobre a trajetória do parque e a atualidade das questões indígenas.

O Diário da Manhã conversou com Guilherme Freire, curador da exposição, explorou os detalhes e significados por trás dessa iniciativa única.

Nosso objetivo principal é traçar uma jornada visual através da história do Xingu, desde as primeiras imagens capturadas pelos exploradores europeus até o impactante cinema indígena dos dias de hoje. Queremos não apenas documentar, mas também celebrar a cultura e a resistência dos povos indígenas Guilherme Freire

A exposição não se limita a exibir imagens estáticas; ela é um mergulho profundo na evolução cultural e política das terras do Xingu ao longo dos séculos. Freire destaca a importância de incluir o ponto de vista indígena na curadoria: "É fundamental que as vozes indígenas sejam as protagonistas na narrativa sobre o Xingu. Eles não são apenas os sujeitos das fotografias e filmes, mas também os autores de suas próprias histórias visuais. Isso dá à exposição uma autenticidade e uma profundidade que são essenciais para o entendimento completo do contexto."


		Centro Audiovisual Indígena: será inaugurado com a exposição "Xingu: contatos"
Avião retido pelo povo Kawaiweté no posto indígena Diauarum, 1983. Duda Bentes. Acervo do fotógrafo


No CAud os visitantes são convidados a explorar não apenas as imagens históricas, mas também a interatividade dos vídeos contemporâneos produzidos pelas comunidades indígenas do Xingu. Essa fusão de passado e presente não só educa, mas também inspira uma reflexão crítica sobre a preservação cultural e ambiental.

"Não podemos separar a cultura indígena de sua luta pela demarcação de terras. A exposição destaca como esses dois aspectos estão intrinsecamente ligados", explica Freire. "Ao mesmo tempo em que mostramos a beleza das tradições, também chamamos atenção para os desafios enfrentados pelos indígenas em manter suas terras e modos de vida."


		Centro Audiovisual Indígena: será inaugurado com a exposição "Xingu: contatos"
À frente na bancada, da esquerda para a direita: Teseya Panará, Kanhõc Kayapó, Raoni Mētyktire e Tutu Pombo Kayapó, dentre outros, ocupam auditório da liderança do PMDB nas negociações do capítulo dos indígenas na Constituinte, Brasília, 31.05.1988. Beto Ricardo. Acervo Instituto Socioambiental © Beto Ricardo/ISA


Expressão e resistência

O CAud vai além de um simples centro cultural. Ele se configura como um polo de formação, produção e difusão da cultura indígena, oferecendo cursos, oficinas, workshops e eventos que visam capacitar indígenas em técnicas audiovisuais e dar visibilidade à sua produção. Através da exibição de filmes, documentários e outras obras audiovisuais, o centro busca combater estereótipos e preconceitos, promovendo uma visão mais autêntica e diversa da realidade indígena.

O espaço conta com uma estrutura moderna e completa, composta por um estúdio equipado para produção audiovisual, possibilitando a criação de filmes, documentários e outros conteúdos. Um Auditório amplo com capacidade para 153 pessoas, ideal para a realização de eventos, palestras, projeções e apresentações.

Com um centro de exposições em uma área de 475 m² dedicada à exibição de obras de arte indígena, com miniauditório para eventos menores. Além de loja de artesanato e lanchonete onde os visitantes poderão adquirir produtos artesanais indígenas.


		Centro Audiovisual Indígena: será inaugurado com a exposição "Xingu: contatos"
Pirakumã Yawalapiti em protesto no Acampamento Terra Livre - ATL, Brasília, abril de 2014. André D'Elia. Acervo do fotógrafo


Cinco séculos de conflitos

A luta indígena no Brasil é marcada por séculos de resistência contra a colonização, exploração e a luta contínua por reconhecimento de seus direitos territoriais, culturais e sociais. Desde a chegada dos europeus ao continente americano, os povos indígenas enfrentaram diversas formas de opressão, violência e tentativas de assimilação forçada.

No contexto brasileiro, a história indígena, ganha destaque com a resistência contra a colonização portuguesa, seguida pela luta contra as frentes de expansão agrícola e extrativista ao longo dos séculos. A demarcação de terras, iniciada formalmente na década de 1980 com a Constituição Federal de 1988, é um dos pontos centrais dessa luta, visando garantir a posse permanente e exclusiva das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários.

Nos últimos anos, os indígenas têm enfrentado novos desafios, como o aumento das invasões de suas terras por grileiros, madeireiros, mineradoras ilegais e agropecuaristas. Além disso, políticas governamentais recentes têm ameaçado direitos conquistados, como a tentativa de flexibilização das demarcações de terras e o enfraquecimento de órgãos de proteção aos povos originários como a Funai.

Apesar dos desafios, os indígenas continuam a resistir e a buscar formas de preservar suas culturas, línguas e modos de vida tradicionais. Movimentos de base, lideranças indígenas, organizações não governamentais e apoio internacional têm sido fundamentais na defesa dos direitos indígenas e na conscientização sobre as questões enfrentadas por essas comunidades.

Fantasmas da colonização no Brasil contemporâneo

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2023, que considerou inconstitucional a tese do marco temporal dessas terras, marca um ponto importante nessa trajetória de luta e resistência. O julgamento terminou com um claro posicionamento, com nove votos a favor da inconstitucionalidade e apenas dois contra.

A tese do marco temporal, que limitava as demarcações de terras indígenas apenas às áreas ocupadas até a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi rejeitada pelo STF, reconhecendo a importância do uso tradicional contínuo das terras, independentemente da data de 1988.

Essa decisão representou uma vitória significativa para os direitos dos povos tradicionais no Brasil, reafirmando seu direito constitucional à terra e à preservação de suas culturas. No entanto, a luta continua, com novos desafios e batalhas pela frente, à medida que as comunidades indígenas persistem e defendem suas terras e modos de vida contra pressões externas.

Além disso, atualmente, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal está prestes retomar nesta quarta-feira, 11, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48/2023, que visa inserir a tese do marco temporal na Constituição Federal. Esta proposta, assinada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR) e outros 26 senadores, busca garantir que a demarcação de terra se restrinja às áreas que os povos indígenas ocupavam ou disputavam até a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Essa medida legislativa surge em meio a um contexto judicial complexo, onde a validade da Lei 14.701, de 2023, que instituiu o marco temporal, foi definida como inconstitucional pelo STF. Apesar das decisões favoráveis ao marco temporal no Senado, o debate continua acalorado tanto no âmbito legislativo quanto no judiciário, refletindo as profundas divisões e interesses envolvidos na questão das terras dos povos originários no Brasil.

Watatakalu Yawalapiti, 2019

Watatakalu Yawalapiti, 2019

Watatakalu Yawalapiti, 2019 Yakakumalu Mehinako pronta para a cerimônia do Yamurikumã, c. 1975 Pajé Agaku Kuikuro em ritual de cura, aldeia Ipatse do povo Kuikuro, 1975 Frame de Devolução Kaiabi, 2022

Os brasis do Brasil: história e identidade

A criação do CAud representa um passo importante para o reconhecimento e a valorização da cultura indígena brasileira. O centro se propõe a ser um espaço de diálogo intercultural, promovendo o intercâmbio de saberes e experiências entre diferentes culturas. Através da produção e difusão da cultura indígena, o CAud busca contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, plural e intercultural.

"Esperamos que os visitantes saiam não apenas com novos conhecimentos sobre o Xingu, mas também com um compromisso renovado de apoiar os direitos indígenas e a preservação ambiental. É um convite para aprender com as culturas que resistem e prosperam há séculos, mesmo diante de adversidades." Acrescentou Guilherme.

Abertura do Centro Audiovisual (CAud) Data: 11, 12 e 13 de Julho

Local: Alameda Leopoldo de Bulhões, quadra 3, lotes 1/4, Setor Pedro Ludovico, Goiânia/GO

Programação:

11/7

16h: Abertura: “Xingu: um território demarcado na terra e nas telas

Palestrantes: Joenia Wapichana, Marcelo Matos, Akiaboro Kayapó, Wellington Tapuia, Warruká Carajá, Takumã Kuikuro, Guilherme de Freitas e Fernanda Kaingang

12/7

18h: Roda de conversa: “Recontando os contatos: a experiência dos comunicadores indígenas

Palestrantes: Takumã Kuikuro, Divino Tserewahu, Kamatxi Ikpeng e Kujaesage Kaiabi

13/7

10h: Contação de histórias com Yamalui Kuikuro

15h: Roda de conversa: “Recontando os contatos: a experiência dos comunicadores indígenas

Palestrantes: Piratá Waurá, Arewana Juruna, Bepunu Kayapo e Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro

Exposição Xingu Contatos:

Abertura: 11 de julho de 2024

Visitação: até 13 de outubro de 2024

Entrada gratuita

Horário de funcionamento: de terça a sexta: 10h às 18h e sábados e domingos: 10h às 16h

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