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Astrud Gilberto, 83

Cantora estreitou laços entre jazz e música brasileira

Astrud se projetou no cenário internacional com releitura clássico escrito por Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Lá fora, por anos a fio, a cantora Astrud Gilberto ficou conhecida como a voz inglesa da bossa nova. Quando gravou “Garota de Ipanema” na língua de William Shakespeare, em 18 de março de 1963, a artista espalhou pelo mundo o estilo que modernizou a música brasileira. Foi a primeira mulher, por exemplo, a ganhar o Grammy, nos EUA, junto do saxofonista Stan Getz, jazzista que admirava Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

Astrud nunca tinha se apresentado em público até o dia em que gravou a composição de Tom e Vinícius, com o violão sincopado do marido João Gilberto e os sopros elegantes de Getz. Tinha apenas 22 anos. Mas, apesar da pouca idade, levou aos quatro cantos do mundo o suave canto bossanovista. Suas interpretações, quase sempre elegantes e sussurrantes, a tornaram um símbolo da música brasileira aos olhos do mercado internacional.

Nascida Astrud Evangelina Weinert em março de 1940, na cidade de Salvador (BA), mudou-se para o Rio de Janeiro ainda jovem. Manteve-se casada com João entre 1959 e 1964, de quem pegou o nome e, em 1960, começou a cantar com ele. Astrud marcou presença, por exemplo, no show “A Noite do Amor, do Sorriso e da Flor”, organizado pelo jornalista Ronaldo Bôscoli na então Faculdade de Arquitetura, no Rio de Janeiro, em 1960.

Segundo o biógrafo Ruy Castro, no livro “Chega de Saudade”, esse foi o último concerto amador da bossa nova. Três anos depois, a voz de Astrud foi parar no disco “Getz/Gilberto”, obra que representa a fusão entre o estilo criado na zona sul carioca com o velho jazz estadunidense. No entanto, segundo depoimentos reunidos pelo jornalista Milton Chilton, a cantora recebera apenas 120 dólares pelos dias de trabalho, embora fosse, como é consenso na historiografia, uma das grandes responsáveis pelo sucesso do compacto.

Não bastasse a baixa remuneração, Astrud Gilberto teve ainda o nome retirado dos créditos. Ainda assim, do dia pra noite, a bossa nova se popularizava, acumulava milhões de cópias vendidas e chegava ao número 5 na parada da Billboard. Esse trabalho a levou a concorrer ao Grammy na categoria revelação, a mesma pela qual Anitta brigou, e perdeu para os Beatles. Em melhor performance, quem saiu vencedora foi a cantora Barbara Streisand.

Astrud era mãe coruja da bossa nova

Tudo era admirável em Astrud: a voz esganiçada, o sotaque brasileiro, a bela mulher que ignorava todos os homens que a queriam, conforme destacou o crítico Kory Grow, em obituário publicado na revista “Rolling Stone”. E, se João Gilberto era o pai obstinado da bossa nova, Astrud Gilberto era sua mãe coruja: Nara Leão e Gal Costa tiveram a estrada assentada pela artista que, nos últimos dias de vida, vivia em Philadelphia, nos EUA.

Em 64, Astrud foi estrela na apresentação realizada no Newport Jazz Festival. Isso foi pouco antes de se lançar em carreira solo, com “The Astrud Gilberto Album”, de 1965, que conta com Tom Jobim ao violão e João Donato no piano. Os anos 60, aliás, foram criativos para a cantora brasileira: “The Shadow of Your Smile”, “Beach Samba”, “Look to the Rainbow” e “A Certain Smile, A Certain Sadness”. Cada vez mais, a estrela de Astrud Gilberto brilhava.

Tanto que, na década seguinte, gravou com Luiz Gonzaga a faixa “Baião” e entrara em estúdio para fazer dueto com Jorge Ben Jor em “Take It Easy my Brother Charles”. Ambas as releituras foram lançadas no disco “Now”. Ainda nos anos 70, no disco “That Girl From Ipanema”, estreitou - ainda mais - os laços entre bossa nova e jazz, ao fazer um som com o trompetista Chet Baker na música “Far Away”. Houve ainda o jazzístico “Gilberto With Turrentine”, este criado na companhia do saxofonista Stanley Turrentine.

Na década de 90, gravou “Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, com o cantor George Michael para uma coletânea beneficente. Ela e o artista britânico cantavam em português. No ano milênio, houve tempo para fazer o disco “Jungle”, uma coprodução com o guitarrista Mark Lamber. E, pouco a pouco, a música deixou de ser prioridade para Astrud, dedicando-se às artes visuais, no que demonstrou algum tipo de talento.

A notícia da morte de Astrud Gilberto foi compartilhada pela filha, Adriana Magalhães, após publicação no Facebook da neta, Sofia Gilberto. “A vida é linda, como diz a música, mas venho trazer a triste notícia que minha avó virou estrela e hoje está ao lado do meu avô João Gilberto”, diz trecho do texto. Astrud estava com 83 anos. O mundo está em luto.

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