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Barão Vermelho reedita primeiro disco em vinil

Lançado em 1982, elepê conta com hits do grupo carioca, mas mixagem aconteceu à revelia dos músicos. Nova versão tem faixas bônus

Cazuza (ao centro) ladeado da esquerda para direita por Guto Goffi, Roberto Frejat, Maurício Barros e Dé Palmeira - Foto: Frederico Mendes Cazuza (ao centro) ladeado da esquerda para direita por Guto Goffi, Roberto Frejat, Maurício Barros e Dé Palmeira - Foto: Frederico Mendes

Aí você tá flanando enquanto se devaneia pelos pensamentos labirínticos de um libertário discurso sexual-poético. Cazuza tem razão: “eu armo uma cena/ é, eu armo uma cena”. Meio Angela Ro Ro, meio Janis Joplin, a voz do cantor ressoa dentro da tua vitrola craniana tomadíssima pelo Barão Vermelho. Esporro total. Soltemos as coisas lindas que nos ardem.

Estou, digamos, baronizado. Dobro as esquinas da incerteza reenergizado pelo refrão. “Botando banca/ posando de star/ é, você precisa é dar-se”, ataca. Rock’n’roll me põe a refletir sobre os caretas e suas regrinhas caducas. Difícil encontrar no marasmo da mesmice algo tão pulverizante quanto esse primeiro disco do Barão, lançado em 1982 pela Som Livre.

Fundado um ano antes, em Rio Comprido, na zona Norte do Rio de Janeiro, o Barão era sonho adolescente do tecladista Maurício Barros e do baterista Guto Goffi. No início, Maurício tinha 17 anos e Guto, 19. Conheceram-se no colégio e, juntos, ouviam Led Zeppelin e Queen, A Cor do Som e Pepeu Gomes, às vezes rolava na vitrola também Moraes Moreira.

Entre um ensaio e outro, Maurício telefonou para Roberto Frejat, 19, ex-estudante de geografia na UFRJ. O guitarrista aceitou o convite feito pelo tecladista para tocar numa feira, a Feira da Providência (show que o pai de Maurício havia conseguido), mas avisou que já estava em outras três bandas. A formação se completava com Dé Palmeira no baixo, 15.

Uma dúvida estava posta, porém: quem cantaria? “Fui com o compromisso de indicar alguém, depois de conhecer melhor o som. Foi o que fiz. Demorei um tempo para indicar Caju, pois ele não pensava em cantar em banda nenhuma”, rememora Léo Jaime, num texto publicado no encarte da edição que comemora os 30 anos do disco iniciante, em 2012.


		Barão Vermelho reedita primeiro disco em vinil
Cazuza à direita com Frejat, Maurício Barros, Dé Palmeira e Guto Goffi. Foto: Frederico Mendes


No primeiro ensaio, Cazuza engoliu doses brutais de conhaque. Sua voz, ora, tinha de ser bem aquecida para quando entrasse em ação queimando os ouvidos da vizinhança. Calibrado pelo poderio alcoólico da birita destilada, mandou agudos demolidores — ééééééééééé. Todos se olharam. “Achamos, enfim, o cara”, vibravam os jovens, empolgados.

Só que sucedeu-se, na verdade, o primeiro obstáculo da carreira: show cancelado. Mesmo assim, a banda seguiu em frente, com Cazuza falando aos companheiros que escrevia e — por que não? — poderia mexer no texto do grupo, já que o considerava infantiloide. Como Jagger e Richards, ele e Frejat descobriram luxuosa sintonia criativa.


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Ezequiel Neves abraça Cazuza: Zeca e seu pupilo eram exageros. Foto: Frederico Mendes


Mais ou menos nessa época, uma fita k7 caiu nas mãos do jornalista e produtor musical Ezequiel Neves. Enlouquecido pelo veneno antimonotonia que lhe fora apresentado, Zeca — ou Zeca Jagger, como era conhecido, por amor incondicional a Mick Jagger — embolsou o material doméstico. Na revista “Som Três”, o crítico apresenta o rock do Barão ao mundo.

“É um rock demolidor costurado por uma guitarra crispante e teclados que não devem nada ao soberbo Nicky Hopkins (pianista de ‘Exile on Main Street’, dos Rollings Stones). E há a voz de Cazuza cuspindo fogo em doses avassaladoras”, escreve. Os versos, diz, “reinventam o português de forma telegráfica, sem literatices, ridícula herança de antepassados que fazem de qualquer canção um cemitério de metáforas e circunlóquios vazios”.

Lançado em 27 de setembro de 1982 (um dia após “As Aventuras da Blitz”, que trazia o hit “Você Não Soube Me Amar”), o debutante elepê abre com “Posando de Star”. Foi gravado em dois finais de semana: dias 15 e 16 e 22 e 23 de maio de 82, sob produção de Guto Graça Mello e Zeca. Veio ao mundo de parto normal, o disco. Cazuza retrata em dez faixas os sonhos da juventude transviada, mata a sede na saliva e transforma o tédio em melodia.

É um rock demolidor costurado por uma guitarra crispante e teclados que não devem nada ao soberbo Nicky Hopkins (pianista de ‘Exile on Main Street’, dos Rollings Stones). E há a voz de Cazuza cuspindo fogo em doses avassaladoras" Zeca Jagger, jornalista

Tal qual a obra dos Stones, pode-se dizer que se trata de um “som polaroid”. Começa com um berro cazuziano na urgência do esporro — “pouco importa o que essa gente vá falar mal/ falem mal”. Na sequência, o eu-lírico lembra que o banheiro é a igreja de todos os bêbados. “Eu ando tão down”, confessa o poeta, num blues-ressaca de sotaque carioca.

Ambas — “Posando de Star” e “Down em Mim” — têm letra e música assinadas por Cazuza. Se a primeira exibe ótimo escracho libertário, a segunda nos aconselha que, por vezes, pega mal sofrer. Há que se destacar, claro, a guitarra de Roberto Frejat, cujo solo aparece fácil, fácil dentre os mais bonitos do rock brasileiro. Essa canção é deslumbrante de múltiplas perspectivas, pois a introdução de Maurício Barros no piano é arrepiante.

Jorrando espontaneidade, o disco segue com versos brutais. Poesia crua atirada em nossos ouvidos, que nos coloca de joelhos, saboreando o tesão. Ode à porra-louquice. “Agora vai, vai correndo pra casa/ papai e mamãe tão na sala/ te esperando, tão jantando/ é, planejando um futuro normal, que mal!”, canta Cazuza, em “Conto de Fadas”, parceria com Maurício.

“Billy Negão”, versão que se passa no Baixo Leblon para música de Guto e Maurício, puxa “Certo Dia na Cidade”, de Cazuza, Guto e Maurício. A música impressiona logo na introdução. Frejat corre por fora da cozinha baixo-bateria. Parece chamar o piano. Impossível tirar da cabeça o verso “eu vou levando fé”, homenagem a Jimi Hendrix.

Sente-se ainda a força de dois rocks: “Rock’n Geral” e “Ponto Fraco”. Como costuma dizer Frejat, a última música faz o rock rolar direto. Segue linhagem de Chuck Berry e Stones. Ali, Cazuza adiciona sentidos apurados de um cronista boêmio que sorvia uísque noite adentro, rodando de bar em bar pirado e jogando conversa fora. É o que fazemos até hoje, correto?

“Só pra te ver passando, gingando/ me encarando/ me enchendo de esperança”, destila o poeta, safadérrimo, numa das pérolas encontradas do disco, o rock “Ponto Fraco”. Nas audições, o verso “eu tenho um plano que eu não sei achar”, em “Por Aí”, vibra ao chegar em nossos ouvidos. A poética de Cazuza sensibiliza também na gloriosa “Todo Amor que Houver Nessa Vida”, interpretada por Caetano Veloso, sob aplausos, no Canecão, em 1983.

No documentário "Por Que a Gente é Assim" (Prime Video), de Mini Kerti, Frejat diz que música tem "uma letra muito profunda, muito densa, muito sofisticada para uma pessoa de 22 anos". "Ele deveria se sentir orgulhoso de cantar essa música. E hoje eu me sinto orgulhoso de cantar essa música", revela o artista, comovido.

Caetano, por sua vez, se emocionou assim que a amiga Patrícia Casé lhe mostrara no som do carro durante a noite paulistana “Bilhetinho Azul”, o blues que fecha “Barão Vermelho”. “Foi um impacto tão forte que esse álbum ficou para sempre como meu favorito no novo rock brasileiro”, escreve o artista, num texto que saiu no encarte da edição de 30 anos.

Frejat achava que “Barão Vermelho” não tinha muita qualidade técnica. “Éramos inexperientes, em termos de estúdio, além de ter sido gravado às pressas. Porém, é um disco do qual todo o grupo gosta. Ele possui uma energia difícil de se captar em estúdio, além da nossa própria inocência. Todo mundo era muito novo”, dizia o guitarrista à revista Bizz.


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Capa do primeiro disco lançado pela banda carioca, em 1982. Foto: Frederico Mendes


Talvez isso, a baixa qualidade técnica, torne o disco a fotografia de uma era, quando caduquices artísticas foram dinamitadas pela fúria juvenil do Barão Vermelho. Ah, cara, como é bom reouvir Barão em seu primeiro disco! Enquanto essa obra estiver chegando aos jovens, haverá esperança. O prazer do orgasmo roqueiro não se apagará jamais.

Na reedição em vinil, pela Três Solos, o ouvinte se deliciará com a espontaneidade do grupo, com cinco jovens músicos comunicando o sentimento de uma geração. Além de duas faixas bônus (“Sorte e Azar” e “Nós”), há pôster A3, flyer, release, envelope com letras e texto do jornalista e escritor Bento Araujo, autor da série de livros Lindo Sonho Delirante.

BARÃO VERMELHO

Gênero: Rock

Faixas: 12 (duas bônus)

Preço: R$ 200

Lançado pela Três Selos


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Marcus Vinícius Beck


LADO A

Posando de star (Cazuza) 2:16

Down em mim (Cazuza) 3:15

Conto de fadas (Cazuza, Maurício Barros) 3:40

Billy Negão (Cazuza, Guto Goffi, Maurício Barros) 3:23

Certo dia na cidade (Cazuza, Guto Goffi, Maurício Barros) 4:43

LADO B

Rock'n geral (Cazuza, Roberto Frejat) 2:43

Ponto fraco (Cazuza, Roberto Frejat) 2:50

Por aí (Cazuza, Roberto Frejat) 3:40

Todo amor que houver nessa vida (Cazuza, Roberto Frejat) 2:16

Bilhetinho azul (Cazuza, Roberto Frejat) 2:18

Sorte e azar (Cazuza, Roberto Frejat) 2:46

Nós (Cazuza, Roberto Frejat) 3:10

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