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Arnaldo Antunes leva rock concretista ao Flamboyant In Concert

Criador multifacetado, Arnaldo construiu obra com alto refinamento discursivo, unindo as tradições da poesia e do rock

Arnaldo Antunes, 63, extrapolou limites do rock com obra multimídia - Foto: José de Holanda/ Divulgação Arnaldo Antunes, 63, extrapolou limites do rock com obra multimídia - Foto: José de Holanda/ Divulgação

Hoje, sobretudo hoje, 27 de agosto, é preciso ter fé na música e curtir a poesia concreta de Arnaldo Antunes, 63. Pode ser na altura do silêncio que ninguém ouviu — som ao vento, matéria em decomposição, barriga digerindo pão artístico que se verá no Flamboyant.

Arnaldo cantando daquele jeito enfático, com aquele vocal gutural. Arnaldo, vou te dizer, Arnaldo revoluciona a arte brasileira desde os anos 1980. Eletrocuta-se em alta tensão conceitual-roqueira. Assisti-lo em cima de um palco costuma ser um programa irrecusável.

Dessa vez, o ex-titã estaciona no projeto Flamboyant In Concert, hoje, a partir das 19h30. Traz consigo uma surpresa: Carlinhos Brown. Há quem, ao ler isto que escrevo, esteja murmurando, feliz, que “eu gosto de você/ e gosto de ficar com você/ meu riso é tão feliz contigo”. Três cabeças — lembremos de Marisa Monte — pensam melhor do que uma.

Mas, ora, o que essa voz-guia geracional tem a ver com Arnaldo e Carlinhos? Muito mais do que você imagina. Marisa alegoriza a síntese necessária entre a racionalidade poética de Arnaldo Antunes e a espontaneidade percussiva de Carlinhos Brown. Quem pensa em Tribalistas, o projeto que aglutinou os três nos anos 2000, pensa em Marisa Monte.

Foram impressionantes, os Tribalistas: treze músicas gravadas, dois mega-hits (“Já Sei Namorar” e “Velha Infância”) emplacados. Tudo isso, detalhe, sem conceber nenhuma entrevista sequer para divulgar o trabalho. Tampouco rolou show. Apesar disso, embalados pelo apoteótico disco, chegaram à (admirável) marca de 1 milhão de cópias vendidas.

Tentaram repetir a fórmula na década passada, em 2017, mas não vingou — comercialmente falando. Existem, claro, boas canções no novo disco, como a animada “Baião do Mundo”, de melodia afável, e a alto-astral “Feliz e Saudável”, de arranjo pop. Soam contemporâneas.

Anos depois, em 2023, Arnaldo magnetizou plateias Brasil afora na turnê “Titãs Encontro”, que reuniu os integrantes clássicos da atemporal banda paulistana. No palco, eletrificou-se nos rocks “Lugar Nenhum”, “Comida” e Televisão”. Pujante e histórica, a presença do poeta-cantor já indicava, ali, que a excursão iria chegar ao fim a qualquer momento.


		Arnaldo Antunes leva rock concretista ao Flamboyant In Concert
Carlinhos Brown, músico: surpresa da noite. Foto: Roncca/ Divulgação

Por mais imprescindível que seja ao rock brasileiro, o artista rechaça o status de que sua geração trouxe o estilo maldito para a língua portuguesa. Justifica tal pensamento amparado nos registros fonográficos que se têm, uma vez que percebe-se neles a barulheira fibrilante do rock’n’roll na Jovem Guarda e em Caetano Veloso, no tropicalismo e em Luiz Melodia.

Novos Baianos, sim, eram rock’n’roll total. Rock’n’roll total e libertário, diga-se, com uma mistura livre que ia do samba-canção ao baião, da bossa nova à psicodelia estadunidense. Quanto aos tropicalistas, simplesmente introduziram a guitarra no cancioneiro popular. Já Raul Seixas, espírito sarcástico, debochou da caretice nacional em suas composições.

Há outra visão equivocada acerca do inquieto Arnaldo Antunes. Seria o artista apenas discípulo de Haroldo e Augusto de Campos, do tipo que entrara em pé de guerra com a palavra, com o verso, com o lirismo? Nada mais errático: Arnaldo retrata, em “Quem Me Olha Só”, gravada pelo Barão Vermelho, o fim do amor com uma comovente beleza bluesy.

“Quando o sol, nos meus olhos, brilhava/ por amar minha flor tanto assim/ fui feliz sem saber que secava/ a rosa e trazia o seu fim”, metaforiza o então titã, em parceria com o barão Roberto Frejat. Esses versos revelam um poeta interessado por Beatles, Paulo Leminski e Waly Salomão, embora sua criação se associe aos concretistas, Maiakóvski e Mallarmé.

Carreira solo

Nos anos 90, fora dos Titãs, Arnaldo se lançou numa interessante carreira solo (até hoje incompreendida), em que a faceta literária do músico (autor dos livros “Ou”, 1982, “Psia”, 1986, “Tudos”, 1990, “As coisas”, 1992, “Palavra Desordem”, 2002, e “Et Eu Tu”, 2003) se familiarizara com lado pop (dos discos “Ninguém”, 1995, “O silêncio”, 1996, “Um Som”, 1998, “Paradeiro”, 2001, “Saiba”, 2004, “Qualquer”, 2006, e do megapop “Tribalistas”, 2003).

Trata-se, afinal, de um multiartista. O poeta Haroldo de Campos dizia que Arnaldo era “meio cubista, cheio de pontas”. Das oito mentes titânicas, a de Arnaldo Antunes, cabelo arrepiado, sem costeletas, frequência hipnotizante, olhar punk-furioso, a de Arnaldo Antunes deixava a plateia em êxtase, como se estivesse lhe aplicando droga poderosíssima.


		Arnaldo Antunes leva rock concretista ao Flamboyant In Concert
Arnaldo extrapolou limites do gênero maldito. Foto: José de Holanda/ Divulgação

Digamos que tenha nos aplicado a uma droga — a fúria poética. Desde os tempos de Titãs, o artista tem tomado partido. “E esses mesmos/ abomináveis/ que, diante de uma claque vergonhosa,/ se orgulham/ de terem/ rasgado as placas/ com o nome de Marielle Franco/ estão sim/ agora/ eleitos”, escreve, num poema-manifesto lançado em outubro de 2018.

Seguindo a riquíssima tradição brasileira na canção popular, Arnaldo publicou neste ano o disco “Lágrimas no Mar - Ao Vivo”, gravado com o pianista Vitor Araújo, em Salvador (BA), como uma extensão de “Lágrimas no Mar” (2021), feito em estúdio. O primeiro álbum baseia-se no segundo (belíssimo), que originara-se, por sua vez, em uma live pandêmica.

Não dê bobeira: agilize-se para curtir o rock libertário-concretista de Arnaldo Antunes. Devoto à palavra (cantada ou escrita), Arnaldo extrapolou limites do gênero maldito com obra multimídia. Parafraseando “O Silêncio”: seu som é “amplificado no amplificador”.

ARNALDO ANTUNES

Hoje, às 19h30

Shopping Flamboyant

Av. Dep. Jamel Cecílio

Setor Jardim Goiás

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