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Annie Ernaux narra primeira relação sexual em romance autobiográfico

Em pré-venda pelo site da editora Fósforo, novo livro da autora retoma episódio ocorrido quando ela estava com 18 anos

Escritora retoma temas dolorosos em romance que será lançado no próximo mês - Foto: Fósforo/ Divulgação Escritora retoma temas dolorosos em romance que será lançado no próximo mês - Foto: Fósforo/ Divulgação

Após nobelizar-se em 2022, a escritora francesa Annie Ernaux foi descoberta pelo público goiano. Seus livros se popularizaram nas livrarias e ela conquistou admiração dos leitores, seja em razão do formato “autossociobiográfico”, seja a propósito das reflexões feministas.

Dessa vez, Ernaux volta às prateleiras literárias ao ter editado em português du Brésil o elogiado romance autobiográfico “Memória de Menina”, publicado originalmente em 2016. Na obra, em prosa sociológica, acompanhamos a jovem Annie Ernaux, que deixa sua cidade natal para ser monitora numa colônia de férias na Normandia, ao Norte da França.

Ali, transa pela primeira vez. Pela primeira vez também a jovem de 18 anos ficou longe dos pais, pela primeira vez um homem — o instrutor-chefe, no caso — escolheu-a e levou-a para a cama, pela primeira vez sentiu “a enormidade e a rigidez” do membro masculino ereto.

A crítica literária Claire Devarrieux, em ensaio publicado no jornal “Libération”, de abril de 2016, explica que os acontecimentos daquele verão de 1958 são narrados de acordo com a “misteriosa alquimia” praticada por Ernaux, ora modelando o texto para torná-lo mais leve e noutras vezes burilando-o para apresentá-lo pesado aos olhos machistas da classe média.

Pioneira da autoficção em língua francesa, Ernaux vasculha sua memória 50 anos depois de os episódios sobre os quais se inclina a escrever terem ocorrido. Acha-se diante de sua origem, inclusive como escritora notória, intelectual feminista reconhecida, professora de literatura celebrada na Centre National d'Enseignement par Correspondance.

Com rigor estético-conceitual, a autora reconstrói a si mesma e o contexto sociopolítico a que os fatos narrados estão inseridos. Só então ela descreve a traumática experiência. Isso irá assombrá-la por um longo tempo, décadas e anos, dados as estruturas do patriarcado e a origem social modesta da narradora — que, como observamos, trata-se da própria Ernaux.

Para a escritora, a menina de 1958 ainda é capaz de surgir e provocar “um colapso interior”. “Vive, portanto, em mim com sua presença escondida, irredutível. Se o real é aquilo que age, produz efeitos, segundo a definição do dicionário, essa menina não sou eu, mas ela é o real em mim. Uma espécie de presença real”, diz Ernaux, em trecho de “Memória de Menina”.

Ou seja, a escritora regressa a temas que lhe são dolorosos — tenhamos o título sempre em mente. Findada a noite da qual se fala em “Memória da Menina”, o que percebe-se é uma jovem testemunhando no próprio corpo o efeito do homem tóxico: a menstruação se interrompe subitamente, a alimentação vira um transtorno inominável, a menina adoece.

Dez anos antes da Revolução de Maio de 68, eu era sublimemente destemida, uma vanguarda da liberdade sexual" Annie Ernaux, escritora

Ainda que estivesse querendo transar, a sexualidade era um tabu à jovem. “H. é alto, loiro, musculoso e com um pouco de barriga”, recorda-se Ernaux. Sua iniciação sexual, todavia, se configura desastrosa e, por sê-la, não percebe. Foi abandonada pelo cara que a tomou como amante, como se fosse “um objeto de desprezo e escárnio” aos outros homens da colônia.

“Dez anos antes da Revolução de Maio de 68, eu era sublimemente destemida, uma vanguarda da liberdade sexual”, descreve-se Annie Ernaux. Nesse sentido, como vemos, a liberdade lhe trouxe um fardo, já que os machões a qualificavam como “prostituta”. “Tenho desejado esquecer aquela menina. Esquecê-la de verdade, isto é, não escrever sobre ela.”

Feminismo

Ao mesmo tempo, Ernaux conhece “O Segundo Sexo”, da filósofa Simone de Beauvoir”, e desenvolve consciência intelectual para compreender a dimensão política de seus problemas pessoais. Hoje em dia, embora ainda carregue suas tristezas pretéritas, a autora entende que “ter recebido as chaves para entender a vergonha não confere o poder de apagá-la”.

Quando recebera o Nobel de Literatura, em 2022, Ernaux disse que se confessa nos livros. A escritora, então com 82 anos, afirmou durante cerimônia em Estocolmo, na Suécia, que escrever, para ela, é uma espécie de “vingança íntima”. As palavras seriam um instrumento a partir do qual ela se libertaria de suas origens sociais e das experiências como mulher.

Por isso, pensava Ernaux, converter-se em escritora vindo de uma linhagem de camponeses sem terra, de proletários e pequenos comerciantes, de gente desprezada pelos seus modos e sua incultura, seria suficiente para reparar toda injustiça desde o nascimento. Nascida em 1° de setembro de 1940, em Lillebonne, formou-se em letras na Universidade de Rouen.

Estudada nas universidades e prestigiada pela imprensa, Ernaux virou autora clássica na contemporaneidade pelo realismo feminista com que aborda sua educação católica, o aborto na juventude e o relacionamento que teve com um cara 30 anos mais jovem. “Memória de Menina” recupera os amigos antigos e, principalmente, a Annie Ernaux e o mundo de 1958.

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