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A revolução feminina nos palcos do Arô Fest

No Dia do Artista, festivais com line-ups femininos celebram o protagonismo das mulheres na música, promovendo equidade de gênero e revelando novos talentos

Filipe Catto Filipe Catto

Em um momento de intensas discussões sobre igualdade de gênero, festivais de músicas com line-ups exclusivamente femininos têm emergido como poderosas ferramentas para a promoção da equidade no cenário musical e a revelação de novos talentos. Além disso, estes festivais promovem uma cadeia de valor local, estimulando a economia e reforçando a cultura de onde são realizados.

Neste mês de agosto, em que se celebra o Dia do Artista (24), surge uma oportunidade para refletir sobre temas essenciais do universo artístico. Um desses temas é a importância dos festivais musicais com line-ups femininos, que não só destacam talentos emergentes como também promovem a equidade de gênero na indústria da música, um setor historicamente dominado por homens.

Ações globais surgiram nos últimos anos com o objetivo de diminuir essa disparidade na indústria da música. É o caso do programa europeu Keychange, iniciado em 2018, que incentivou festivais ao redor do mundo a se comprometerem com uma programação com pelo menos 50% de participação feminina. Desde então, mais de 650 festivais, em mais de 40 países, aderiram à campanha e se comprometeram a equalizar seus line-ups.

No Brasil, de acordo com levantamento produzido pela pesquisadora Thabata Lima Arruda, divulgado em março de 2024, alguns festivais musicais ultrapassaram 50% de equidade em seus line-ups no ano passado, como o Rock The Mountain (96,9%), Saravá (60%) e La Folie Festival (66,7%). Apesar dos avanços, os dados coletados revelam um cenário ainda dominado por homens e com muitos desafios pela frente.

O estudo concluiu que, em 2023, as mulheres não chegaram a representar 35% das atrações em eventos de pequeno, médio e grande porte. Outro dado que chama a atenção é o de que cinco eventos conseguiram realizar suas edições naquele ano sem a total presença de mulheres nos palcos. É o caso dos festivais São Gonçalo Rap Festival, Rap Mix Festival, Nova História Festival, Plantão Festival e Mirante Roots Festival.

Elas por elas

Tendo em vista as dificuldades para a total equidade de gênero nos festivais musicais brasileiros, algumas ações e ideias surgem na tentativa de solucionar os problemas. O Projeto de Lei 522/24, da deputada Natália Bonavides (PT-RN), por exemplo, estabelece cota de 30% para a participação de artistas mulheres na programação de eventos musicais, com objetivo de combater a sub-representação e marginalização das mulheres. Apresentado em fevereiro de 2024, o projeto segue em tramitação.

Outra proposta que surge pela necessidade de democratização da cena musical para as mulheres é o Festival Arô, que aconteceu em Ribeirão Preto (SP), no sábado, 17 de agosto. Em sua 1ª edição, o evento contou com um line-up 100% feminino, com a presença de artistas importantes como Sambaiana feat Paula Lima, Céu, Helena Serena, Filipe Catto e Cynthia Luz. O projeto tem como principal missão levantar pautas que façam as pessoas refletirem e construir um novo cenário musical no interior do país.


		A revolução feminina nos palcos do Arô Fest
Drielly Bispo. Foto Guilherme Fuzaro


Drielly Bispo, idealizadora e produtora do festival, explicou que a ideia surgiu há três anos, impulsionada por seu desejo de trazer um evento diferenciado para o interior de São Paulo, algo inédito para a cena local. "Eu queria evitar um perfil de evento padrão, que costuma ter mais atrações masculinas, e decidi focar nos talentos femininos que não têm a visibilidade que merecem", afirmou Drielly em entrevista para o Diário da Manhã. Ela destacou ainda que, como mulher e criadora do festival, a busca pela igualdade de gêneros é essencial e norteou suas escolhas para o Arô Fest.

No relatório “Mulheres da Música”, divulgado em março de 2024 pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), é evidenciado um pequeno crescimento de mulheres contempladas com valores em direitos autorais de música, em comparação a 2022. O número de mulheres aumentou de 25 mil para 29 mil. Outro destaque é a maior presença de compositoras na autoria das músicas mais tocadas do Brasil. Em 2023, das 20 músicas mais tocadas em shows, cinco eram de mulheres, o que representa 25% das canções no ranking. Em 2022, apenas três músicas eram de mulheres.

Drielly deseja que o Arô Fest seja reconhecido como o primeiro festival do interior 100% feminino, mas admite a possibilidade de incluir artistas masculinos futuramente, desde que haja uma equidade de pelo menos 50% de artistas mulheres. "Espero que, no futuro, não seja necessário organizar eventos exclusivamente femininos para garantir mais espaço às mulheres", disse Drielly, evidenciando seu desejo de normalizar a equidade no cenário musical.


		A revolução feminina nos palcos do Arô Fest
Helena Serena. Press FC_ Foto Divulgação


Protagonismo feminino

Helena Serena, cantora e compositora natural de Ilhabela, São Paulo, levou ao Festival Arô sua voz marcante e engajamento com a luta pela equidade de gênero. Conhecida por sua autenticidade e força artística, a intérprete e compositora traz em suas apresentações uma fusão única de ritmos, musicando suas experiências e visões sobre a realidade das mulheres na sociedade contemporânea. Para ela, participar de um festival com line-up inteiramente feminino, como o Arô, é mais do que uma oportunidade de se expressar artisticamente; é um ato de resistência e empoderamento.

“Para mim, eventos como o Arô Fest são uma forma de ‘artivismo’, onde a arte e o ativismo se fundem. Estar no palco, cercada por mulheres que compartilham a mesma intenção de lutar por igualdade, já é um ato significativo e transformador”, afirma Helena ao DM. Ela reforça que a presença constante de mulheres em ambientes feitos para serem livres e respeitadas muda a percepção do público e fortalece o coletivo.

Sobre os desafios enfrentados na indústria musical, Helena reflete que a ênfase dada pela indústria a certos tipos de músicas acaba desviando a atenção de outros trabalhos, incluindo aqueles que abordam temas importantes como igualdade de gênero e meio ambiente. “Precisamos tocar mais músicas que discutam essas questões. Isso ajudaria a aumentar a equidade de gênero”, sugere a artista.

Drielly Bispo também compartilhou suas inspirações e desafios ao criar um evento totalmente feminino. Ela destaca que a ideia surgiu de sua experiência na área de eventos e live marketing e do desejo de criar algo inovador para a cena musical do interior paulista. Os maiores desafios enfrentados na realização do Arô Fest incluíram a obtenção de patrocinadores que acreditassem na primeira edição do evento e a dependência de terceiros durante a execução do festival, como no caso de problemas com a empresa contratada para som e luz, que afetaram o cronograma e levaram ao cancelamento de dois shows.

Futuro

Tanto o público quanto as artistas expressaram entusiasmo com a proposta do Festival Arô, reconhecendo a importância de eventos que promovam a visibilidade feminina. Drielly ressaltou o impacto positivo do festival, evidenciado pelo feedback recebido durante e após o evento. Ela mencionou a importância de trazer artistas que estão começando permitindo que o público descubra novos talentos e se sinta impactado por suas performances.

As expectativas para o futuro são otimistas. Drielly planeja uma segunda edição ainda mais forte e consolidada, focando em um line-up com visibilidade feminina e comprometida com a equidade de cachês e oportunidades. “Espero que o reconhecimento do trabalho das artistas mulheres cresça, levando a mais igualdade no mercado musical”, afirmou, confiante de que o festival contribuirá para a construção de um cenário mais inclusivo e diversificado.

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