A prática ilícita de parcelamento indevido, com cobrança excessiva de juros e inclusão de serviços não solicitados, é comum em lojas de departamentos de vestuário com filiais em shoppings por todo o Brasil e acumula denúncias há anos.
No site Reclame Aqui, consumidores frequentemente relatam que essas lojas parcelam valores em mais vezes do que o solicitado e incluem serviços, como vendas premiadas em atualização de cadastro, induzindo o cliente a acreditar que não haverá cobranças adicionais.
Eu costumava parcelar compras na Riachuelo em 3x sem juros, mas um cartão novo prometeu mais parcelas sem juros. No entanto, descobri que minhas compras foram cobradas com juros altos. Uma compra de R$799,10 virou R$1.311,12, e outra de R$289,70 aumentou para R$468,72. O atendente me informou que fui enganado. Fui na Riachuelo do Goiânia Shopping no dia 6/7 e falei com xxx que disse que não tem como tirar os juros. Já paguei R$1.264,41 e quero ajustar o valor final para R$26,24. Vou denunciar ao Procon. Cliente com registro ativo no site Reclame Aqui
Ainda de acordo com a reclamação, "No aplicativo, só aparece o valor da conta fechada e não aparece descriminação. No mês passado, ao invés de pagar o total pelo aplicativo, eu resolvi baixar a conta, e foi ai que eu tive uma surpresa."
Outra reclamação referente a uma compra na mesma rede no Buriti Shopping, o cliente relatou: "Eu comprei mais de R$900,00 em roupas e, na hora do pagamento, a operadora ofereceu um cartão da loja para parcelar sem juros. Aceitei, mas houve problemas com a máquina e o cadastro demorou mais de uma hora. Quando tentei pagar o restante, só consegui parcelar até R$500,00. Pedi para dividir em 5x sem juros e confirmei várias vezes, mas a compra foi parcelada em 8x, e o valor final aumentou para R$832,00. Exijo o cancelamento do cartão e a correção do parcelamento para 5x sem juros, conforme solicitado."
Procurada pela reportagem, a Riachuelo esclarece que 'a prática mencionada não condiz com suas diretrizes, que prezam pela transparência com colaboradores e clientes. A empresa reforça que não há qualquer orientação interna que incentive tais condutas, destacando seu compromisso com a ética.' (nota completa ao fim)
De acordo com os dados obtidos com o Procon Goiás, as principais reclamações de clientes sobre as lojas são referentes ao cálculo de juros, taxas não informadas, cobranças abusivas, falta de clareza das informações, serviços não solicitados, taxas e reembolso.
Funcionários das lojas Riachuelo em shoppings de Goiânia denunciam que a situação tem a ver com as metas obrigatórias que os funcionários precisam cumprir diariamente. Eles afirmam que para alcançar esses objetivos abusivos, muitos acabam cometendo fraudes na venda e enganando os clientes ao oferecer produtos.
Segundo os colaboradores, o esquema envolve enganar o cliente para aceitar parcelamentos com juros extras e promessas de benefícios. Quando recusado, o colaborador burla o processo, aumentando parcelas ou alegando atualização cadastral, incluindo serviços não acordados, como compras premiadas, seguros e serviços de saúde.
Conforme descrito pelo caixa, o problema ocorre principalmente com cartões de loja sem chip -frequentemente oferecidos pela loja como um benefício de crediário próprio e vinculado a uma financiadora. Após a compra, a assinatura do canhoto dá vantagem à empresa, que pode usá-la como prova contra o cliente em caso de contestação.
Segundo uma funcionária de uma dessas lojas no Goiânia Shopping, que prefere não se identificar, para que o cliente não perceba e os supervisores possam conversar livremente com o colaborador durante a venda no caixa, são combinados códigos que passam despercebidos pelo cliente.
Quando usamos ‘VJ’, significa venda parcelada com juros; ‘Compra Premiada’ é a inclusão de serviços. Se o cliente ‘engole’ a conversa, ele aceita como Compra Premiada. Mas se o cliente recusa, dizemos que vamos fazer uma ‘atualização cadastral’. Assim, ele aguarda tranquilo e não sabe que estamos incluindo serviços, como seguros e planos que normalmente ele recusaria. Esses serviços são cobrados na fatura dele, e, após assinar o canhoto, o aceite, mesmo que enganado, é confirmado. Afirmou a colaboradora
Max Kolbe, especialista em Direito Penal, explica que vários indicadores de fraude podem ocorrer em vendas a prazo, como “taxas discrepantes, contratos complexos, falta de documentação e inconsistências financeiras.” Ele ressalta que as fraudes podem ocorrer “com ou sem terceiros,” frequentemente facilitadas por conivência interna, e incluem “falsificação de documentos e manipulação financeira.”
Para a detecção de fraudes, Kolbe recomenda que as empresa façam o uso de “algoritmos, auditorias automatizadas e monitoramento em tempo real.” Esses métodos são essenciais para identificar práticas fraudulentas e garantir a integridade das transações financeiras.
No entanto, informações de funcionários indicam que essas práticas ocorrem há muito tempo, sem intervenção do departamento financeiro ou das lojas para corrigir as irregularidades. Uma rápida pesquisa em sites de reclamação e nas próprias redes sociais dessas lojas, revela que esses problemas não são eventos isolados e afetam diversas lojas e estados.
Nos últimos três anos, 41,64% das reclamações no site Reclame Aqui foram sobre cartões de crédito e financeiras, e 37,12% envolvem cobranças indevidas, mau atendimento, e juros abusivos. A reportagem solicitou dados específicos sobre serviços não solicitados e parcelamentos indevidos, mas o Reclame Aqui informou que levaria uma semana para reunir essas informações, impossibilitando a inclusão na reportagem.
De acordo com Watson Silva, advogado especialista em Direito do Consumidor, a jurisprudência brasileira tem sido rigorosa com casos de ocultação de juros. “A jurisprudência é clara: práticas enganosas que prejudicam o consumidor não são toleradas", destaca.
Consumidores que descobrem juros não informados têm o direito de revisar o contrato e solicitar a restituição dos valores pagos a mais, além de possível indenização por danos. “Os consumidores podem buscar revisão do contrato e ressarcimento através de ações judiciais ou denúncias ao Procon,” recomenda o especialista.
Ele explica que para comprovar estelionato, é essencial que o consumidor tenha documentos que provem que foi induzido em erro. “Documentos como contratos e faturas são fundamentais para demonstrar que houve má-fé na ocultação dos juros.”
Instituições financeiras e empresas de cartão de crédito têm a obrigação de garantir transparência nas condições de venda a prazo. A falta de comunicação clara pode sujeitá-las a penalidades previstas no CDC. “Essas instituições precisam assegurar que as informações sobre juros sejam precisas e acessíveis,” conclui Silva.
Os especialistas definem que a melhor forma de evitar essas situações é se prevenir. Prestar muita atenção no valor calculado no momento do pagamento, nestas lojas há sempre monitores voltados para o cliente para que ele acompanhe as transações, confira o total da compra e compare com o valor do canhoto antes de assinar.
De acordo com as orientações, o cliente não deve aceitar serviços no calor do momento. Muitas vezes, ao aproveitar um passeio em shoppings, a euforia das crianças, a pressa de um familiar devido a outros compromissos e a desatenção no momento do pagamento podem levar a problemas sérios. Uma compra que parecia simples pode transformar-se em um caso de justiça ou resultar em desembolso de um valor não acordado com a loja.
Como em qualquer transação financeira, desconfie de ofertas que apresentem vantagens excessivas, benefícios fantásticos ou promessas mirabolantes. Reserve tempo suficiente para ler atentamente contratos e canhotos e para conferir quaisquer nomenclaturas que não compreenda. “Essas ofertas podem parecer vantajosas à primeira vista, mas escondem custos adicionais.” Informa Silva.
Além disso, ao atualizar seu cadastro, peça um documento que confirme que foram revisados apenas dados comuns e que não houve inclusão de serviços adicionais.
Nota da Riachuelo
"A Riachuelo esclarece que esse tipo de prática não condiz com suas diretrizes, as quais valorizam a transparência tanto com seus colaboradores quanto com seus clientes, e reitera que não há qualquer orientação da companhia que incentive tais ações. A marca enfatiza, ainda, que suas áreas de qualidade e compliance têm processos estabelecidos de auditoria e promovem treinamentos contínuos para os colaboradores, com o objetivo de prevenir esse tipo de conduta."