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Exclusivo: Assédio e ameaças no cotidiano dos caixas das lojas nos shoppings de Goiânia

Funcionários denunciam que o ambiente hostil e a pressão por metas inatingíveis os expõem a fraudes e conflitos éticos

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Atendentes de caixas nas lojas de departamento de vestuários de shoppings em Goiânia denunciam metas inalcançáveis, assédio moral e psicológico e ameaças de demissão com justa causa. Relatam um ambiente de trabalho hostil, que afeta a saúde física e mental, envolvendo fraudes financeiras e pressão constante para atingir objetivos, muitas vezes, impossíveis.

As denúncias foram enviadas à redação do Diário da Manhã por funcionários e ex-funcionários das lojas Riachuelo que atuam nos shoppings de Goiânia. Eles apontam para a implementação de métodos de venda que prejudicam diretamente os consumidores que realizam compras a prazo e que são induzidos à contratação de serviços que acrescentam taxas nas faturas de cartão de crédito sem chip.

Procurada pela reportagem, a Riachuelo esclarece que 'a prática mencionada não condiz com suas diretrizes, que prezam pela transparência com colaboradores e clientes. A empresa reforça que não há qualquer orientação interna que incentive tais condutas, destacando seu compromisso com a ética.' (nota completa ao fim)


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Mensagem de incentivo com as metas estabelecidas para o dia. — Foto reprodução


Segundo um funcionário que pediu anonimato por temer represálias, as metas impostas pela Riachuelo incluem VJs e a promoção de Vendas Premiadas, Atualização de Cadastro e Simulações de Empréstimos, que são oferecidas aos clientes na hora do pagamento. A maioria dos clientes recusa essas ofertas ao saber dos detalhes, como exige o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, para manter o emprego, muitos caixas acabam cedendo à pressão dos superiores e incluindo essas ofertas sem o consentimento dos clientes.

Nas grandes redes de varejo, a pressão para vender produtos financeiros, como cartões e empréstimos, é intensa. Funcionários enfrentam ameaças de advertências formais ou demissão com justa causa ao não atingir metas abusivas, criando um ambiente de trabalho tóxico. As advertências muitas vezes incluem demandas para realizar vendas específicas, como VJ’s e Simulações de Empréstimos, com base em critérios que não se alinham com o Artigo 482 da CLT, gerando confusão e insegurança.


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Eduardo Felype Moraes. — Reprodução: Arquivo pessoal


De acordo com o advogado especialista em direito do trabalho, Eduardo Felype Moraes, “a advertência não está prevista no artigo 482 da CLT, que trata das faltas que podem levar à demissão por justa causa. Ela serve, na maioria das vezes, como uma etapa anterior a punições mais severas.” Ele salienta que ainda assim, a aplicação da advertência deve levar em conta a gravidade dos erros cometidos e o bom senso do empregador.


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Advertência que são dadas aos colaboradores que não cumprem as metas a qualquer custo. — Foto reprodução


O artigo 482 da CLT lista as faltas graves que justificam a demissão por justa causa, como desonestidade, mau comportamento, negociação sem permissão, condenação criminal, negligência, embriaguez no trabalho, violação de segredos, indisciplina, abandono de emprego, agressões físicas, injúrias contra superiores, jogos de azar e atos contra a segurança nacional.

O problema mais sério é a inclusão de juros não informados, identificados como código "VJ". Funcionários relatam que, ao solicitar um parcelamento sem juros, o cliente pode não perceber que o operador altera o número de parcelas de 5 para 8, adicionando juros à compra. Isso ocorre principalmente com cartões de crédito sem chip, aceitos apenas na rede da marca.


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Planilhas com as nomeclaturas das metas que as empresas exigem. — Foto reprodução


O operador acrescenta que alguns colegas enganam os clientes, dizendo que o parcelamento com juros oferece benefícios adicionais, como o primeiro pagamento após 120 dias e aumento do limite de crédito, e que, se a parcela for quitada antecipadamente, os juros podem ser removidos — o que não acontece na prática. Outros não informam nada, e "muitos clientes não percebem que estão sendo cobrados juros, porque não há uma explicação clara sobre como os parcelamentos funcionam", ressalta o atendente, segundo ele, os consumidores só descobrem o valor alterado dias depois, quando já é tarde para reverter a situação.


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Watson Silva. — Reprodução: Arquivo pessoal


O advogado Watson Silva, especialista em Direito do Consumidor, explica que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante ao consumidor o direito de receber informações claras sobre as taxas de juros em compras a prazo. “Essa comunicação deve ser direta e de fácil compreensão”, afirma. Silva também ressalta que a Resolução nº 4.558/2017 do Banco Central exige que instituições financeiras informem o Custo Efetivo Total (CET) das operações de crédito.

Ele alerta que “a omissão ou falta de clareza nas informações sobre os juros pode anular a cláusula contratual”, além de violar o direito à informação. Silva é enfático ao dizer que “quando as taxas de juros não são comunicadas de forma clara, o fornecedor pode ser responsabilizado criminalmente”, configurando crime de estelionato, conforme o artigo 171 do Código Penal, em casos onde o consumidor é induzido ao erro e prejudicado financeiramente.

Outro colaborar explica que retorno do cliente é imediato quando ao dar uma volta pelo shopping ou observar a nota fiscal com mais atenção, volta à loja para questionar os valores cobrados ou solicitar o cancelamento da compra, "isso acontece muito, o cliente volta algum tempo depois e exige os cancelamentos das vendas com juros no cartão da loja. Mas a pressão é para continuar fazendo isso. Antes, nas metas eram incluídas a porcentagem dos cancelamentos. Não estão mostrando mais.”

Segundo a denúncia, as metas diárias incluem entre 10 a 15 contratos de VJ's, sete de Compra Premiada, que podem ser inseridos na fatura do cliente sob o pretexto de "atualização de cadastro". Essas operações, conhecidas como vendas casadas, envolvem a inclusão de serviços e produtos que geram custos no cartão de crédito, com a promessa de aumento de limite ou prêmios. Além disso, os funcionários são pressionados a realizar 30 simulações diárias de empréstimos.

De acordo com os operadores de caixa, eles têm sido forçados a participar desses procedimentos que violam a transparência nas operações financeiras, muitas vezes sob ameaça de demissão por justa causa. “Temos que usar códigos, para o cliente não perceber. Então falamos, ‘venda premiada’, 'atualização de cadastro e ‘Vj’. Não tenho coragem de enganar ou mentir, então eu aviso o cliente, que recusa. Quem quer pagar a mais ou ter produtos inclusos na fatura sem usar?"


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Apresentação das metas no grupo dos funcionários. — Foto reprodução


Assédio psicológico e treinamento inadequado

Segundo um dos autores da denúncia, qualquer recusa em seguir procedimentos considerados inadequados pela empresa pode ser motivo para advertências formais e, em última instância, para a demissão por justa causa. "Eles ameaçaram me demitir por justa causa porque eu estava 'atrapalhando o fluxo", afirmou, e já cogita pedir demissão voluntária para evitar maiores problemas e preservar sua saúde mental.

A pressão por resultados começa já no treinamento, que, segundo disse, os próprios supervisores e colegas responsáveis por auxiliar os novatos, orientam a adotar práticas antiéticas e prejudiciais aos clientes. "Desde o primeiro dia, percebi que o que estavam ensinando não era correto", disse um funcionário, apontando a falta de preparo como causa de um ambiente de trabalho tóxico. "Só na última semana, duas pessoas pediram demissão. Outros colegas também estão pensando em sair", relatou, destacando o clima de insatisfação.

Exposiçao das metas individuais

Exposiçao das metas individuais

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Conivência dos gestores e impactos na saúde física e mental dos trabalhadores

Uma das acusações mais graves feitas pelo funcionário envolve a conivência da gerência com fraudes. Ele afirma que os supervisores não apenas tolera práticas inadequadas, mas também as incentiva para garantir o cumprimento das metas financeiras. "Quem me treinou é a mesma pessoa que eu estou denunciando", afirmou, sugerindo que a hierarquia está ciente das irregularidades e se beneficia delas. Além disso, as comissões geradas pelas vendas mensais, como VJ, Vendas Premiadas ou Atualização de Cadastro, também favorecem os supervisores. Aqueles que não contribuem para aumentar essas bonificações se tornam alvos de assédio constante.

Segundo o advogado Felype, quando a empresa ameaça demitir um funcionário por justa causa em retaliação a denúncias, "ela pode responder tanto na esfera trabalhista quanto na criminal."


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Colaborador com mais de 51% de VJ's. — Foto reprodução


Ele explica que o funcionário pode pedir rescisão indireta e indenizações. Se for instruído a praticar fraudes, como alterar parcelamentos ou aplicar juros sem consentimento, "documente tudo e consulte um advogado especializado para garantir seus direitos", recomenda Moraes, que alerta sobre o risco de se tornar cúmplice das práticas de fraude.

E pode ser enquadrado como estelionato segundo o advogado especialista em causas penais, Max Kolbe: "A fraude dentro de uma empresa é caracterizada por ações enganosas ou fraudulentas realizadas com a intenção de obter vantagem ilícita."

Além disso, especialistas indicam que a pressão excessiva no trabalho afeta a saúde física e psicológica dos empregados. Um funcionário relatou fortes dores durante o expediente, o que comprometeu seu desempenho. Esse ambiente prejudica o bem-estar dos trabalhadores e pode impactar negativamente a qualidade do trabalho e a segurança financeira.

O trabalhador relatou que, em vez de receber apoio, foi informado pela supervisora de que sua situação era insustentável e que ele estava prestes a ser demitido por não bater as metas. "A supervisora disse que eu não tinha condições de continuar porque não estava batendo as metas", relatou, destacando a falta de empatia e suporte. "Naquele dia, entrei às 9h e só fui liberado para o almoço às 16h."

A ausência de benefícios básicos, como plano de saúde, e as constantes ameaças de demissão têm levado muitos funcionários a considerar a troca de função ou a busca por novos empregos. "A pressão aqui é tanta que muita gente está saindo. Eu fico porque não tenho para onde ir", desabafou um trabalhador.

A alta rotatividade reflete a precarização das condições de trabalho e a pressão excessiva por resultados. Vários colegas do denunciante pediram demissão recentemente, e outros estão buscando alternativas. "Todo mundo está insatisfeito", afirmou ele. Segundo os colaboradores essas práticas denunciadas também afetam os clientes, que podem perder a confiança na marca, comprometendo a imagem da empresa e o bem-estar dos colaboradores.

Nota da Riachuelo

"A Riachuelo esclarece que esse tipo de prática não condiz com suas diretrizes, as quais valorizam a transparência tanto com seus colaboradores quanto com seus clientes, e reitera que não há qualquer orientação da companhia que incentive tais ações. A marca enfatiza, ainda, que suas áreas de qualidade e compliance têm processos estabelecidos de auditoria e promovem treinamentos contínuos para os colaboradores, com o objetivo de prevenir esse tipo de conduta."

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